Para muitos professores, a experiência da véspera da primeira aula acaba sendo muitas vezes desgastante, pavorosa, desafiante e nervosa, uma experiência que consome o corpo. São mais do que marcas in-corporadas, são cicatrizes que aparecem em vários dos relatos.
O caso do professor Sidney foi ilustrativo: não dormiu direito tentando se preparar para a primeira aula, estudando os conteúdos, "enchendo a cabeça de teoria" (Sidney, 60, Coordenador Técnico, Relato de Vida, linhas 345). No dia anterior à primeira aula, um colega de trabalho percebendo a angústia que tomava conta da voz, do corpo e do espírito, entende que o colega não está em condições plenas para desempenhar suas funções na empresa e diz: “vamos sentar aqui e vamos fazer um plano porque não vai adiantar, tu não vai conseguir atender isso aqui”, “senta aqui, vamos fazer um planejamento” (Sidney, 60, Coordenador Técnico, Relato de Vida, linhas 346-350).
O medo e a apreensão na véspera da primeira aula também levou o professor Ricardo a planejar em detalhes, a preparar um mundaréu de conteúdos, atividades e exercícios na perspectiva de dar conta das múltiplas situações que pode encontrar numa sala de aula (que é um espaço novo para ele), com alunos (ainda desconhecidos) e, principalmente, pelo fato de estar numa posição nova como professor a tentar gerir o incerto e o imprevisível.
“(...) então, primeiras aulas eu tava com medo, preparei um mundaréu de aula que eu não dei. (...) Claro, eles tão ali pra aprender...eles tinham noções muito iniciais assim, era turma do 1o, 2o semestre, então preparei muita aula avançada pra eles, daí depois bah, tive que dar tudo de novo (risos)”. (Ricardo, 32, Prof. de Eletrônica, Relato de Vida, linhas 181-187)
“Eu fiquei apreensivo antes de dar aula, depois que eu fui pra aula, comecei a conversar com eles, aí foi tranqüilo. Pensei, bah, o que será que vão perguntar...bom, tava preocupado com o que eles iam me perguntar porque eu queria responder.” (Ricardo, 32, Prof. de Eletrônica, Relato de Vida, linhas 200-202)
Entrar pela primeira vez na sala de aula, usando a máscara e o peso da responsabilidade de ser professor. Entrar pela primeira vez na sala de aula é como aprender a nadar, me jogando n`água, me jogando no mar, como conta o Professor Sidney:
“Aí eu fiquei com aquele calhamaço de chamada na mão, aquela aula pra dar, tudo, era terceiro ano...e agora? E agora me lembrei, to lembrando do professor de didática que ele dizia assim: Às vezes quando um professor entra numa sala de aula pela primeira vez, fica tão nervoso que ele caminha parece que não tá caminhando no chão. Ele caminha parece que vem levitando. Aí eu comecei a me dar conta daquilo, a oportunidade tá aí, ou eu faço um estágio bem feito e o estágio bem feito passa pela primeira aula, ou eu posso fracassar já na primeira aula. E foi assim ó, tipo assim, vou aprender a nadar, me jogando n`água, me jogando no mar. (...) eu passei a noite de terça estudando o conteúdo. É aquela história que hoje a gente conversa, a importância ou não do conteúdo. (...) apesar de eu ter formação pedagógica, didática, eu pra mim era o conteúdo que eu tinha que dar” (Sidney, 60, Coordenador Técnico, Relato de Vida, linhas 323-334)
Entrar pela primeira vez na sala de aula é o primeiro passo, a oportunidade para iniciar o processo de a-firmar-se professor. Mas, será que fracassar já na primeira aula pode ser lido como sinônimo de negação da docência na pessoa?