"antes de ser um professor, fui me fazendo professor" (Sidney, 60, Coordenador Técnico)
"mas eu na verdade fiquei professor (...) Mas eu sou na verdade professor" (Sidney, 60, Coordenador Técnico)
Natural de Passo Fundo - RS, tem 60 anos, casado e três filhos. É formado no Curso Técnico de Máquinas e Motores pelo SENAI/PIPMO/Parobé, em Engenharia Operacional para Fabricação Mecânica pela UNISINOS e realizou o Curso de Didática para o Ensino Industrial (Esquema II) pelo CETERGS. Ingressou na docência em 1975, como professor de Desenho Técnico na parte profissionalizante do Colégio Júlio de Castilhos, Porto Alegre. Atuou muitos anos como professor da Escola Técnica Parobé, onde iniciou como estagiário e chegou ao cargo de Diretor. Atualmente está na gestão da Escola Mesquita na função de Coordenador Técnico.
A entrevista foi realizada na manhã do dia 02 de dezembro de 2004, nas dependências da Escola Técnica Mesquita.
Provocado a falar de si, da sua formação e trajetória, Professor Sidney inicia seu relato mostrando a influência que uma pessoa pode sofrer pela escola, no caso positiva. Iniciou sua formação escolar no Colégio Nossa Senhora da Conceição, em Passo Fundo, mas destaca que foi na escola pública que, "na verdade, me identifiquei". Entre uma parada e outra nos estudos, concluiu o Ginasial, ingressou no serviço militar, trabalhou numa empresa, retornou aos bancos escolares para fazer o Científico no turno da noite: "Aí foi que eu comecei realmente a encontrar o meu rumo. Porque o ensino, o Científico foi no colégio público em Passo Fundo e... e ali foi na verdade que eu me achei. No colégio particular eu estudei bastante e não me identifiquei"
Foi no período do Científico que percebeu que sua vida encontrou um rumo. Foi nesse período que percebeu a influência de alguns de seus professores. Faz referência a professores que o marcaram, como no caso do professor Ítalo Goron, "ele disse uma coisa que me chamou a atenção. (...) era depois da... final da década de 60, início de 70. Ele disse assim: 'Hoje a época é dos técnicos'. Aquilo me marcou. (...) e aquilo gravou". Uma frase que marcou, que gravou e influenciou sua vida e trajetória: "Aquela frase foi que abriu todo caminho".
"Por questões da vida eu tive que vir embora para Porto Alegre". Veio em busca de trabalho já que o emprego em Passo Fundo era difícil. No primeiro ano na capital só trabalhou, não estudou. A partir do segundo ano, iniciou, no turno da noite, o Curso Técnico de Máquinas e Motores no SENAI da Visconde de Mauá, em parceria com a Escola Técnica Parobé e o PIPMO - Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra. É no período deste curso técnico que é novamente influenciado por um professor: "E outro professor, chamava-se Valnir Borsa, que hoje ainda é diretor do SENAI, é do tempo mais antigo... disse... 'Vocês estão tirando o curso técnico, vocês podem ser professores no ensino técnico, basta que tirem o curso de didática para o ensino industrial, que é o chamado Esquema II'. Bom, como eu já estava acostumado a ser influenciado por professor, mais uma vez fui".
Tal influência o fez ingressar no Curso de Didática para o Ensino Industrial (Esquema II) no Centro de Educação Técnica do Rio Grande do Sul - CETERGS[1]. " [O] curso falava daquelas disciplinas de... metodologia do ensino, didática geral, didática especial, recursos audiovisuais, psicologia da educação e ali de novo, o rumo foi encaminhado.O professor Pedro Marinho, era um psicólogo...aí eu, com aquelas dúvidas que a gente tinha, será que eu vou ser um professor? Ele disse que sim, que se eu me preparasse bem seria um bom professor. E eu logo me identifiquei!"
Novas identificações, outras referências e influências. Ser professor passa a fazer parte do cenário de possibilidades profissionais.
O Curso de Didática para o Ensino Industrial durou dois anos, "foi um curso muito bem tirado também". Realizou o estágio docente na Escola Técnica Parobé: "Fiz então o estágio e daí entrei na Escola Técnica Parobé. Isso foi no ano de 76, por aí... e entrei... hoje são os contratos emergenciais, entrei como contratado, dando aula de desenho técnico. Na verdade foi na época da reforma do ensino, da lei 5692..."
No entanto, destaca que sua primeira experiência "como professor do ensino público foi no Colégio Júlio de Castilhos. Dei aulas um ano lá". Sidney era professor da disciplina de desenho técnico na parte profissionalizante do currículo. Lembrando da juventude, e recém ingresso na docência, destaca: "Aí aquele primeiro ano foi legal porque eu... aprendi a dar aula. (...) Aprendi a planejar as aulas, planejava tanto que... planejava como aprendi no curso de didática. E foram experiências assim, fantásticas, de vida assim e humanas"
Neste período de professor do Julinho, trabalhava 12 horas semanais no turno da noite e reflete sobre o momento da sua vida: "vivia o que fazia, e vivia o resultado do que fazia. Então era uma glória. Para mim dar aula já foi uma glória. (...) tudo encaixou assim, da melhor maneira."
Naquele ano, conciliou a atividade do magistério, no turno da noite, com o trabalho numa empresa do ramo industrial, durante o dia. No ano posterior afastou-se da indústria e assumiu outro contrato de 12 horas semanais na Escola Técnica Parobé, dedicando-se somente ao magistério. Além disso, continuou dando algumas aulas esporádicas de Leitura e Interpretação de Desenho no SENAI de Canoas.
Mais tarde, como já tinha a titulação em didática, participou do concurso público para o magistério estadual, onde foi aprovado. Embora já lecionasse no Parobé, como contratado, demorou vários anos para ser chamado a assumir como concursado, quando, então, passou a trabalhar 40 horas semanais na escola.
Decidiu, então, recomeçar em 1978 os estudos superiores no Curso de Engenharia Operacional para Fabricação Mecânica na UNISINOS, concluindo-o em 1982. Terminado o curso, continuou como professor do magistério estadual e inicia um trabalho numa empresa chamada Clemente Cifali, atual Ciber. Depois de um ano nessa empresa, ofereceu-se para trabalhar na UTO/DAER[2], para onde foi cedido em 1983. Passados dois anos longe da escola regular, em 1985 resolveu retornar ao magistério, novamente para a Escola Parobé. Nesse período, também assumiu a função de professor da Escola Nacional de Desenho, na Capital.
Em 1987 foi convidado a ser professor de Desenho Técnico no Curso de Mecânica da Escola Mesquita, permanecendo no Parobé, mas se desvinculando da Escola Nacional de Desenho. No Parobé, do final de 1993 ao início de 1995, assumiu a direção da Escola, onde teve "uma experiência riquíssima também e, administrativamente, uma coisa que não se perde mais o que ganhou ali". Em 1996, já com alguma experiência de gestão, assumiu a Coordenação Técnica da Escola Mesquita - "onde continuo até agora (...) isso foi numa reunião onde foi indicado pelos professores e referendado pela maioria dos professores presentes ali e já quase uma decisão do diretor, Professor Gabriel Grabowski".
Como professor de sala de aula e com larga experiência na função de gestão escolar, oProfessor Sidney destaca as peculiaridades de cada uma das funções e as suas relações: "é eu passei pelas duas. É importante, as coordenações são importantes, essa afinidade e diálogo com os professores é importante, a comunicação é importante e... a formação dos professores é importante (...) Esta relação entre a sala de aula e a parte administrativa é interessante".
"É bom que, quem tem experiência em sala de aula, conheça um pouco do que se passa por trás, nas coordenações. (...) [E as] coordenações é bom que conheçam... o que se passa na sala de aula (...) Na verdade... a sala de aula é influenciada por uma boa coordenação". E sobre a relação da gestão escolar com a sala de aula conclui dizendo: "Uma boa coordenação é ouvir os professores".
Para o Professor Sidney o ingresso na docência foi tempo de afirmação. Embora no início não se considerava e nem se imaginava professor, foi quando ingressou no Ensino Técnico, e na Didática para o Ensino Técnico, que entendeu que seria, então, um professor: "Primeiro, antes de ser um professor, fui me fazendo professor". Foi um momento de decisão: "ou ficava mais para o magistério, me dedicava mais a ser um professor, ou permaneceria mais na indústria e seria mais um trabalhador, um técnico". Mas foi quando entrou efetivamente em sala de aula que viu que "ali a gente podia deslanchar". O ingresso na docência foi tempo de realização, tempo de afirmação: "Opa, acho que eu sou professor. (...) Eu fiz a auto-avaliação, isso aí deu certo. Sou professor".
Os primeiros tempos de sala de aula são manifestados nas lembranças das circunstâncias, instituições, pessoas e cenários. Tendo de realizar o estágio docente do Curso de Didática para o Ensino Industrial, solicitou-o diretamente ao diretor da Escola Parobé, professor Cleto Fernandes. Aceita sua solicitação, foi apresentado ao professor Ricardo Jacobowski, que o recebeu dizendo: “Mas que bom que tu estás chegando para fazer estágio, (...) estou indo amanhã para São Paulo, estão aqui os meus cadernos de chamada, está aqui o meu planejamento, está aqui a matéria, tu vais dar essa aula”. Com os cadernos de chamada na mão, recorda qual o desafio de dar aula em tal circunstância: "e agora? E agora me lembrei, estou lembrando do professor de didática que ele dizia assim: 'Às vezes quando um professor entra numa sala de aula pela primeira vez, fica tão nervoso que ele caminha e parece que não está caminhando no chão. Ele caminha e parece que vem levitando'."
Para Sidney, ser e afirmar-se docente passa pela primeira aula: "ou eu faço um estágio bem feito, (...) ou eu posso fracassar já na primeira aula". E, enfrentar a primeira aula, foi como enfrentar o mar quando se aprende a nadar: "E foi assim ó, tipo assim, vou aprender a nadar, me jogando n`água, me jogando no mar".
E assim foi. Assim eu fui dar aula: "Olhei aquela turma, sala cheia e pensei, esses caras vão ter que me ajudar (...): 'eu vou dar uma aula pra vocês, é no estágio, eu não tenho experiência, vou usar o que eu conheço e eu espero que vocês me ajudem no sentido de apontar o que não entenderam etc e tal'."
A experiência em si é fato marcante, assim como a própria memória da experiência vivida. Tão marcante, que a percepção do tempo é alterada: "só me lembro de uma coisa, quando bateu, os alunos disseram: 'Terminou a aula!'. Eu digo: 'Não, terminou o primeiro período'. 'Não professor, já são 11 horas, amanhã a gente tem que trabalhar cedo'. Para mim, fazia meia hora, e eles me mandando embora... foi a experiência da minha primeira aula".
Uma experiência vivida que, para além dos desafios e dúvidas, possibilita a construção da docência em si: "Aí eu vi que não era difícil, que eu conseguia, e dei as aulas. (...) Foi importante, foi ali que... ali eu não tive dúvidas que eu podia dar aula e ser um professor".
Ao longo de sua trajetória como professor destaca que os momentos mais difíceis estavam relacionados "à questão salarial. O ensino público paga pouco e pagando pouco chega um momento que a pessoa tem dúvidas". Embora a sala de aula fosse um lugar de realização, sempre gratificante, pairava no ar a possibilidade de ganhar muito mais nas empresas da área da indústria.
A escola, para o Professor Sidney, é lugar de realização pessoal e profissional, e a docência é ser na totalidade, na inteireza do ser: "professor não é professor só nas 4 horas de aula, ele é professor 24 horas por dia". A docência também é lugar de reconhecimento, como o foi na manifestação de um aluno que disse que "as minhas aulas tinham sido de arrepiar".E, após a pergunta sobre o que de fato o mobiliza para ir, todos os dias, até à escola, o Professor Sidney finaliza a entrevista com o seguinte relato: "A gente tem compromissos com o passado, alguma coisa trouxe a gente até aqui, e tem compromisso com a gente mesmo não é? A gente traçou metas, traçou planos, sonhou coisas. Acho que elas estão vivas ainda. Até de algum modo, a escola virou minha família, trabalho com eles, sofro com eles, vibro com
[1] Segundo Professor o Sidney, o CETERGS é a atual Fundação para Desenvolvimento de Recursos Humanos - FDRH.
[2] Unidade de Treinamento Operacional do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem - RS.