(1) O ritual da torta do aniversariante

Os professores e funcionários da escola mantém uma prática que é a da torta do aniversariante. A cada aniversário, professores, funcionários, monitores e coordenadores, sentam-se na mesa da sala dos professores, no horário do intervalo, para com-fraternizar a passagem de mais uma data querida. É uma prática que confraterniza, que fraterniza-com quem avança em mais uma primavera, em mais um carnaval da vida.

"(...) a espera de outra reunião, a lembrança da calorosa fraternidade que os uniu por um instante" (MAFFESOLI, 1997, p.255)

Imaginem a dimensão desta prática da torta num simples cálculo. São 40 professores e funcionários e são 40 semanas letivas, então este verdadeiro "evento da torta" acontece nada mais, nada menos do que uma vez por semana. O momento do intervalo, adoçado pela torta, permite que estas pessoas se reúnam para partilhar, para comer junto, para rir, para cantar (os parabéns), para "adoçar" um pouco mais a vida, para dar um abraço no colega, para lhe desejar felicidades.

Lembro as palavras de Maffesoli (1997, p.255):

"(...) eles vem para cantar, vibrar, emocionar-se juntos, tocar-se, estabelecer contatos, entrar em fusão. E assim viver juntos um bom momento, uma oportunidade, sentir que são um corpo coletivo"

Alguns professores dizem: "nunca comi tanta torta como nesta escola". Toda vez que um dos professores (no caso o aniversariante) chega com uma torta, no início do turno, esboça os mais diversos comentários, reações, emoções e expressões por parte dos colegas (e amigos): "hoje tem torta!", comentam e riem juntos.

O que significa este evento da torta? Significa somente ganhar alguns quilinhos, aumentar o colesterol? Também, mas vai para muito além disso. O que significa sentar ou estar a mesa com o colega e comer junto?

A torta e seu merengue "grudam" e "adoçam". A torta liga, adere, une. Provoca o encontro, cria nexo. A torta captura como uma teia, gruda como um visgo, adoça como um sonho. A torta possibilita o prazer de estar-junto e epifaniza o sagrado como a partilha do pão. É "(...) o ressurgimento do fenômeno comunitário que funciona essencialmente sobre a identificação emocional" (MAFFESOLI, 1997)

Estamos presenciando uma passagem, o deslize de uma lógica individualizante, de um princípio individual para o coletivo, uma lógica de identificação alicerçada no sentimento partilhado, na vida comunitária, no estar-junto. É de fato outra lógica, uma lógica aderente, confusional, fusional, viscosa e fluída.

Não se trata de um estar-junto moral, próprio do dever-ser, projetivo, lançado a um futuro longínquo. Mas sim naquilo que incita reunir aqui e agora, pelo prazer de estar-junto aqui e agora, convivendo e tecendo junto a vida na escola. Naquilo que me liga ao outro, na religação. Naquilo que amarra, que ata com os "nós" do estar-junto aqui e agora, que tece, fixa, gruda e prende.