Quem é e o que diz o Professor José Flori Cardoso Prestes?

"eu tenho orgulho que fui aluno da escola" (José Flori, 51, Prof. Desenho Técnico e CAD, Relato de Vida, linha 1255)

Tem 51 anos, 4 filhos, uma neta e um neto. Dois de seus filhos estudaram na Escola Mesquita. Sua formação é de Técnico em Mecânica e também foi aluno da Escola. Tem 9 anos de experiência como docente e lecionou somente na Escola Mesquita. É professor de Desenho Técnico e CAD

A entrevista com o Professor José Flori foi a primeira das seis entrevistas realizadas para este estudo. Cercada de expectativas - talvez mais minhas do que do próprio professor em virtude de ser a primeira - a entrevista foi realizada na manhã do dia 07 de julho de 2004, nas dependências do Sindicato dos Desenhistas do Estado do Rio Grande do Sul (SIDERGS), no Centro de Porto Alegre, instituição na qual o entrevistado exerce o cargo de Presidente. Cheguei às 9 horas no local combinado e fui recebido com um chimarrão. O professor me mostrou as dependências do Sindicato, depois sentamos no seu gabinete e iniciamos logo a entrevista que se configurou num diálogo, numa conversa muito interessante. Iniciei expondo o significado e a importância de ouvir seu testemunho, seu relato para o desenvolvimento do estudo e pedi de imediato para que se apresentasse a partir da pergunta: quem é José Flori?

Com o gravador ligado e ouvidos atentos escutei suas primeiras palavras na qual destaca de forma incisiva que o fato de dar aula hoje está no "sangue". É na figura da mãe que encontrou o exemplo e com quem aprendeu desde cedo a ser solidário. Relaciona a atividade de ensino com o ajudar as pessoas. Segundo o professor, este espírito solidário vem da infância, pois carrega consigo e aprendeu "isso de explicar as coisas, de passar conhecimento, de dividir o que tem".

O Professor José Flori iniciou sua vida profissional na indústria e lembra com emoção das dificuldades pelas quais passou tanto na infância, quanto na adolescência no interior, bem como dos primeiros tempos em que veio para a região metropolitana atrás de emprego e trabalho. Das voltas e revoltas da vida diz sem hesitação sobre os possíveis caminhos que a vida apresenta, suas encruzilhadas e escolhas: "hoje eu vejo até que (...) talvez a minha vida poderia ser muito melhor (...) mas tem coisas na vida que quando não é, não é, né".

O início a docência foi um "bico", um quebra galho para substituir um professor afastado. Embora sempre desejasse "dar aulas" a docência aparece inicialmente como possibilidade de complementação financeira. E é no caminho, no percurso da própria atividade docente que descobre-se, afirma-se professor, com prazer e satisfação. O que era inicialmente um bico passa a ser a própria manifestação da sua "vocação", aquilo que está no "sangue" e é hereditário, aliado ao desejo, à vontade própria, ao esforço e dedicação em aprender a ser professor que se transfigura em prazer, em sabor de ser professor.

Como professor de Desenho Técnico manifesta ter tido facilidade com desenho e seu aprendizado. Enquanto aluno sempre se sobressaia no desenho. Teve uma experiência marcante no Exército onde foi Cabo. Devido ao gosto pelo estudo foi ali que experimentou pela primeira vez o sabor de ser chamado de "professor" pelos colegas, já que vivia explicando as coisas para eles. Começava aí um processo de identificação com o fato de ser professor. O Exército o fascinava, mas não conseguiu seguir carreira por excesso de contingência. Após o serviço militar decide dar outro rumo a sua vida e vem para a região metropolitana de Porto Alegre. Até os 18 anos viveu em Cachoeira do Sul onde foi criado na beira do rio, "atravessando rio a nado, no mato". Diz ter tido uma infância e uma adolescência muito saudável e orgulha-se pelo fato de que "se eu cair numa Amazônia da vida eu sei me defender".

Veio para Esteio com 19 anos - em 1974 - atrás de trabalho. Através de um amigo conseguiu um emprego de servente na BETANIM. Morou 6 anos em Esteio. Lembra desta época com emoção. Lembra das dificuldades, do esforço e da dedicação. Fazia hora-extra, ganhava salário mínimo, tinha horário pesado e ajudava a mãe enviando dinheiro: "a vida era difícil, uma vida complicada ali". Com o salário baixo e sem refeitório na empresa "muitas vezes eu não almoçava. Essa foi uma fase muito difícil (...) é triste isso mas faz parte da minha história, eu tinha que sair para a rua para não ver os outros comer, e voltar a trabalhar de tarde".

Trabalhou em várias outras empresas na área da indústria. Diz que sua vida mudou quando entrou para a COEMSA já que ali o salário era melhor e a empresa tinha refeitório. Lembra inclusive que neste período engordou consideravelmente devido a alimentação regular. No relato valoriza a ajuda que teve neste período, já que passou necessidade anteriormente. Começou a fazer alguns cursos e como tinha facilidade para o desenho foi incentivado a fazer cursos nesta área. Fez o curso de "leitura e interpretação de desenho mecânico" e "traçado de calderaria". Começou a trabalhar na profissão de desenhista em 1976. São mais de 28 anos de profissão, destaca. Também trabalhou um tempo nas Máquinas Condor como "Desenhista Detalhista". Depois voltou para a COEMSA como "Desenhista Projetista". Trabalhou 15 anos na MORGANTE, emprego onde mais se realizou profissionalmente. Considera as experiências profissionais como uma escola que o ajuda até hoje nas suas aulas.

Desde 1978 participa da Administração da Associação dos Desenhistas, que depois se transformou no Sindicato. Criou os 4 filhos. Estudou três semestres de Engenharia na UNISINOS e depois parou devido as dificuldades financeiras, mas em contrapartida realizou muitos cursos de complementação profissional. Sua experiência como sindicalista também é considerada como uma escola. Fez muitos cursos sobre sindicalismo, política, movimentos sindicais, monitor sindical.

Em 1992 decide fazer Curso Técnico em Mecânica na Escola Mesquita. Terminou o curso em 1994. Nesse meio tempo, em 1993, foi demitido da MORGANTE. Foi um momento muito difícil. Ficou desempregado durante dois anos, tendo que sustentar os filhos. Trabalhou também numa empresa terceirizada na Petrobrás e tentou ser vendedor de óleo e de revista. Teve dificuldade de conseguir novo emprego já que não conhecia informática. Conseguiu uma vaga na WECO. Continuou ganhando pouco e foi procurar mais alguma coisa para fazer. Lembrou da Escola Mesquita, pois sempre pensou e teve vontade de um dia dar aula. Foi convidado para elaborar um curso de "leitura e interpretação de desenho mecânico" e começou dando aula para este curso. Logo depois foi convidado para substituir um professor que estava afastado por questões de saúde. Era a primeira experiência como professor de um curso técnico: "era um ex-aluno da escola que estava ali quebrando um galho". Trata-se do aluno da escola que se transforma em um dos seus professores. Ele lembra dos detalhes da primeira aula e dos primeiros tempos como professor. Começou a dar aula com 42 anos.

Ressalta que aprendeu a dar aula um pouco através dos cursos do sindicato e o outro pouco diz que vem de dentro, que está no sangue, a vocação. Foi ficando na docência, permaneceu substituindo o professor, até que os alunos solicitaram à direção que ele ficasse em definitivo como professor. Acabou sendo admitido como professor na escola em 1996. Destaca que no início foi um pouco difícil se acostumar com a idéia de ser professor, sendo que estava registrado na carteira de trabalho. "Professor, eu não era professor! Não considero... aliás, como eu não tenho uma formação, até hoje eu acho que estou quebrando o galho". Ficou inseguro por um tempo, mas foi lutando para se firmar e permanecer como professor da escola. Revela que aos poucos foi se afirmando como professor, foi adquirindo experiência em cima do próprio trabalho e foi estabelecendo um diálogo com os alunos: "uma coisa que eu considero que o professor em sala de aula ele tem que estar mais perto possível do seu aluno". Defende que o professor tem que se considerar um eterno aprendiz. E assim define a profissão de professor: "tenho que continuar adquirindo mais conhecimentos para passar mais conhecimentos para o aluno. A nossa profissão é uma coisa fantástica desta forma aí. E passar a matéria para mim é uma conseqüência, talvez é por isso que tem dado certo o meu trabalho com os alunos, a interação com eles, talvez eu faça alguma diferença com outros profissionais, que eu sou exigente"

O Professor José Flori destaca que tem orgulho do trabalho que realiza na escola: "O meu trabalho na escola ele é a minha vida". Como estratégia para dar aulas sempre procurou observar pessoas que considera um exemplo, um modelo. Quando começou a dar aula já trabalhava a 20 anos como desenhista profissional, então, segundo ele, ensinar a desenhar foi algo que não foi difícil. Considera que a amizade com alunos e colegas é fundamental, assim como o diálogo, o respeito, a compreensão e a confiança entre as pessoas.

Perguntado o que o mobiliza na escola, o professor responde que cada dia na profissão de educador é um desafio. "Um desafio gostoso". É uma satisfação ensinar e: "ajudar as pessoas a melhorar profissionalmente. Eu acho que isso é uma mola né, uma mola propulsora de tudo. De ter uma satisfação, de considerar que a tua profissão ajuda as pessoas a melhorar profissionalmente, enquanto ser humano, enquanto pessoa, que aquilo até vai desencadear uma outra coisa na família dele e tal, que tu faz parte da vida destas pessoas"

E finaliza dizendo que hoje, na verdade, a profissão que considera a sua é professor, mesmo depois de trabalhar mais de 25 anos como desenhista. Dar aula é uma coisa que gosta, que o preenche, que dá prazer. Ressalta que, como professores, nós fizemos parte, deixamos marcas na vida das pessoas, assim como os professores fizeram parte da nossa. E conclui dizendo que já construiu muita coisa na vida e que tem prazer em ajudar a continuar construindo uma escola melhor.