Os caminhos que formaram os professores-narradores são vários. Entenda-se aqui como itinerários formativos, os múltiplos espaços, lugares e formas identificadas pela docência como instituidoras de um jeito de ser docente. Se, como diz Fontana (2000, p.109), o aprendizado evoca uma idéia de movimento de elaboração e de re-elaboração dos significados e sentidos das práticas culturais em nós, elegemos aqui alguns destes itinerários presentes no relato da docência: a escola como lugar de aprender os signos, neste caso os signos da docência.
Deleuze (1987, p.4), em sua leitura de Proust, nos diz:
"aprender diz respeito essencialmente aos 'signos'. Os signos são objeto de um aprendizado temporal, não de um saber abstrato. (...) Alguém só se torna marceneiro tornando-se sensível aos signos da madeira (...) Todo ato de aprender é uma interpretação de signos ou hieróglifos"
Os docentes-narradores, em algum momento do itinerário formativo, foram se tornando "sensíveis aos signos" da docência, na identificação, adesão, afirmação e negação ao tipo de formação vivida, seja na empresa, no sindicato, nos cursos, na escola, na família, no encontro com os outros ou mesmo nos processos de auto-aprendizagem.
O Professor José Flori destaca a sua vivência e experiência profissional, e de sindicalista na empresa e no sindicato, como elemento fundante do seu aprendizado docente, refletindo um itinerário de ser professor:
“(...) a COEMSA [empresa em que trabalhou como desenhista] para mim foi uma escola né! A COEMSA para mim foi uma escola que me ajuda até hoje nas minhas aulas”. (José Flori, 51, Prof. Desenho Técnico e CAD, Relato de Vida, linhas 264-266).
“O sindicato [dos Desenhistas] também, pra mim, foi uma escola.” (José Flori, 51, Prof. Desenho Técnico e CAD, Relato de Vida, linhas 312-313)
“(...) pô, aí eu comecei a fazer cursos fora daqui! Uma série de cursos sobre sindicalismo, sobre política, (...) cursos de monitor sindical hoje me ajudou muito, porque nesta época a gente aprendia como fazer palestras, como organizar palestras, como organizar seminários, como te portar diante de uma turma; o que podia usar, tu usava um quadro negro; tu usava uma régua, se tu usava uma lâmina, todos os recursos que tu podia usar para fazer uma palestra, inclusive até palavras que tu não deve usar para uma turma, que quando alguém te faz uma pergunta de que forma, por mais ridícula que tu considera, mas tu nunca.... a postura, que tu sempre edifique as pessoas quando eles fazem uma pergunta, porque tu tá, na verdade, um grau superior a elas e tu tem que saber como trabalhar isso, (...) Isso é uma coisa que eu aprendi nesta época. No meio do Sindicato eu acabei aprendendo essas coisas que nós precisávamos” (José Flori, 51, Prof. Desenho Técnico e CAD, Relato de Vida, linhas 337-350)
O relato acima revela espaços e tempos de aprendizado em que o narrador considera significativo na forma como hoje encara a docência e de onde aprendeu truques e dicas para se portar diante de uma turma. É possível de se inferir daí que a sua experiência como sindicalista tem um papel significativo, um espaço viabilizado pelas entidades de organização que o narrador vai participando.
Mediado por cursos, o aprendizado da docência é re-elaborado constantemente. Se alguns professores reiteram a participação em seminários de como dar aulas, outros se baseiam nas disciplinas de didáticas cursadas, bem como nas leituras interessantes da área da educação, possibilitadas por uma disciplina no Mestrado.
“Isso é uma coisa que eu sei porque... a gente, nessa coisa assim, a gente... participa de muitos seminários de como dar aula, de como dar uma boa aula, como é que se incentiva os alunos, como é que tu prepara os alunos para pra receber aquela aula, (...) a gente tem a doce ilusão de que os alunos tão quietinhos, quietinhos lá, e não tão nem aí, mas na realidade eles tão muito bem antenados e tão sabendo muito bem o que tá rolando.” (Ademar, 50, Prof. de Automação Industrial, Relato de Vida, linhas 167-174)
“Eu me baseei na disciplina de didática geral e didática especial. Experiência com ensino ali, tudo, que eu tinha também. Vamos dizer assim, eu fechei um conceito do que era dar uma aula” (Sidney, 60, Coordenador Técnico, Relato de Vida, linhas 376-378)
O Professor Ricardo, embora aluno do Mestrado em Engenharia, optou por cursar uma disciplina da área da Educação, sendo que, paradoxalmente, foi a disciplina que mais gostou:
“A disciplina adorei, vários livros assim da área, achei bem interessantes. Muitas coisas me identifiquei com os livros, muitas coisas não concordei. (...) A professora gostava muito da gente, porque realmente, a gente participava, falava, aconteceu isso comigo, aconteceu aquilo...foi a cadeira que eu mais gostei de fazer na faculdade...no mestrado” (Ricardo, 32, Prof. de Eletrônica, Relato de Vida, linhas 140-151)
O aprender a ser professor também passa pelo espaço da escola, pela formação em serviço, pela preparação e planejamento coletivo, viabilizado através do diálogo, da conversa, da troca de experiências e de materiais didáticos entre o Professor Ademar e seu supervisor na escola:
“Aí ele me deu um formulário: assunto, incentivo, desenvolvimento, objetivos, aquela coisa toda né. E aí ele foi me mostrando, mandou toda gurizada embora e ficou lá comigo o dia inteiro conversando (...) Vou te mandar esse material pra cá, aí tu pega esse material, tem ali uma apostila. Aí tem como é que tu tem que dar as aulas (...) Detalhado tudo como é que tu tem que dar a aula (...) Quando voltou lá pra fazer supervisão, o cara, ele me rasgou de elogios. Bah, mas isso é que é preparação de aula! O cara ficou encantado. Depois no 1o seminário que teve, levou minhas pastas, mostrou pro pessoal tudo. Tinha mais de 40 professores do estado lá” (Ademar, 50, Prof. de Automação Industrial, Relato de Vida, linhas 205-222).
A presença da docência na família é fato que marca o relato do Professor Ricardo, pois como diz, a docência já tá. Mediada pela influência da família, a docência se constitui na pessoa, identificando-se e aderindo à profissão, implicando na forma como se vê.
“Todos deram aula lá em casa, menos a irmã menor. A mais velha deu aula na UFRGS, meu pai deu aula na Universidade de Caxias, minha mãe foi...era bióloga e sempre deu aula, 2o grau, 1o grau e eu também to dando aula já há 4 anos. A docência já tá (...) todo mundo sempre acabou dando aula, de uma forma ou outra. Só falta a menor...digo: tu tem que dar aula também!” (Ricardo, 32, Prof. de Eletrônica, Relato de Vida, linhas 11-15)
A influência da família, o aprendizado de ser solidário tem origem na relação com a mãe. É dali que o Professor José Flori traz essa bagagem, essa coisa hereditária. É da formação de ser solidário que se gesta a disposição em se doar ao outro, em partilhar, em ajudar o outro. É da semente da solidariedade que brota a docência na pessoa.
“Quando eu era guri eu sabia dividir bem aquilo que eu tinha, se era um brinquedo, etc.. Minha mãe também sempre teve uma participação grande nisso, porque com certeza... minha formação de ser solidário... a minha mãe sempre foi assim também. Eu aprendi muito com ela isso e isso com certeza a gente traz, essa bagagem, essa coisa hereditária (...). As vezes eu via as pessoas em dificuldade, eu sempre procurava... ah, eu tenho isso! ... as pessoas nem me pediam e eu já estava oferecendo” (José Flori, 51, Prof. Desenho Técnico e CAD, Relato de Vida, linhas 33-40)
A auto-aprendizagem docente, manifesta num jeito auto-didata de ser, é contada pelo Professor Ronaldo. A própria experiência de aprendente, de auto-aprendente, é o elemento fundante da própria aprendizagem de ser professor. Um professor que a partir de seu jeito de aprender cria as possibilidades para um jeito de ensinar:
“(...) como eu tinha corrido atrás por conta própria, como auto-didata, ou lendo o livro pra aprender a usar e aí eu passava pro pessoal aquela linha que eu tinha seguido pra conseguir aprender a usar a coisa.” (Ronaldo, 34, Prof. de Informática, Relato de Vida, linhas 407-410)
“(...) como eu sempre dei aula pra coisas práticas, pra coisas que eu sabia fazer então eu me baseava na seqüência que eu tinha realizado pra aprender aquilo.” (Ronaldo, 34, Prof. de Informática, Relato de Vida, linhas 396-398)