No dia a dia da escola, nos Conselhos de Classe, na sala dos professores[1], percebe-se, de alguma maneira a lembrança nostálgica desse lugar sagrado que o professor ocupava e que agora se encontra em estado de profanação[2]. É, de fato, fácil perceber o desejo que muitos professores têm de fazer da sala de aula e da escola o templo sagrado do conhecimento. Para muitos professores, o conhecimento técnico é adquirido só - e somente só - na escola e passa, necessariamente, pelo aferimento do professor, talvez porque resistam ao processo de profanação.
Se dependesse de muitos dos professores, esse lugar sagrado da sala de aula, este templo, ainda seria um lugar onde "todos o reverenciam, ficam de pé e esperam sua permissão para sentar" (FERREIRA, 2002, p.105), ou de como escutei certo dia de um professor no corredor da escola, quando este se referia a um episódio acontecido no início de um turno quando chegava em sala de aula e lá havia um aluno sentado na classe com os pés na cadeira: "Cheguei na sala de aula o aluno nem tomou conhecimento da [M]inha presença" (grifos meus). Se o professor entende isso como "falta de educação e de respeito", eu entendo como uma necessidade do professor se sentir "venerado" como um Deus, em sua manifestação divina, e que resistindo ao processo de profanação da sua figura e de seu prestígio social, protesta na forma de um discurso nostálgico dizendo: "as coisas não são mais como antigamente, está tudo perdido".
Se dependesse de muitos, a escola e a figura do professor estaria em plano superior e sagrado a fim de realizar, sem influência exterior, "o culto divino de todos os dias: a aula" (FERREIRA, 2002, p.105), neste caso de todas as noites, bem como do culto da transmissão da verdade científica e do conhecimento técnico superior.
Esta referência ou esta representação de docente não teria se constituído no imaginário destes professores quando ainda eram, eles mesmos alunos e a figura do seu professor era figura sagrada, inquestionável, passível de absoluta veneração e representante oficial e institucional da verdade?
Se o modelo de professor, a referência de docente era configurada desta forma, então, como ser, ele mesmo, um professor diferente, um outro professor, um professor agora profanado, comum, homogêneo e igual aos demais mortais?
[1] Na sala dos professores, o professor é o rei, o divino. É possível perceber que a sala dos professores, de fato, é o lugar absoluto dos professores. Ninguém invade este templo, este lugar sagrado. Os alunos não se arriscam a invadir tal espaço. Sinônimo de respeito e veneração ao tempo e ao espaço de descanso, de preparo, de ócio, do lanche, da torta. Neste espaço não entram estranhos ou estrangeiros. Para ali freqüentar, é necessário estar credenciado, ter a senha de acesso, a chave mestra: ser docente, professor, educador ou mestre.
[2] Para esta discussão entre o sagrado e o profano na profissão docente ver Ferreira (2002).