"é algo até meio estranho, hoje quando eu penso nisso" (Sandro, 35, Prof. de Eletrônica)
Tem 35 anos, casado e um filho. É formado em Engenharia Elétrica - ênfase Eletrônica pela PUCRS, com especialização Docência Universitária pela ULBRA. Ingressou na docência em 11/09/1995 na Escola Mesquita. É professor de Eletrônica Digital e Analógica nos Cursos Técnicos de Eletrônica e Automação Industrial da Escola Mesquita. Atuou muitos anos como engenheiro na área de telecomunicações e atualmente dedica-se exclusivamente ao magistério, lecionando também na Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha (Novo Hamburgo).
A entrevista com o Professor Sandro foi realizada nas dependências da Escola Técnica Mesquita, no dia 24 de novembro de 2004. Desde o convite para participar desta pesquisa, passando pelo momento do relato, sempre esteve interessado e com disposição efetivamente presente neste estudo como sujeito autor. Professor comprometido, Sandro é reconhecido pelos colegas e alunos pela postura dialógica e tranqüila, de atitudes serenas e conciliadoras.
Recentemente, ano de 2002, procurando qualificar sua formação no magistério, realizou curso de Especialização em Docência Universitária, sendo o seu trabalho de conclusão intitulado "O Professor do Ensino Técnico". Trata-se de um estudo que, em certo grau, se aproxima da investigação que ora realizo. Fato que, além de nos aproximar em termos de interesse investigativo e formação, é fator facilitador e desencadeador de uma relação de empatia.
A entrevista, iniciada pela pergunta "Quem é Sandro Luiz Mattielo?", provocou no professor a necessidade de encontrar as palavras certas, permeadas de risadas e uma longa pausa, desencadeando a reflexão de si e da sua vida, como bem mostra suas primeiras palavras: "quem é Sandro Luiz Mattiello, é uma boa pergunta isso [pausa] (...) (risos), deixa eu pensar como é que eu vou.... falar [pausa]". Falar de si não é algo fácil, pelo menos não tão habitual.
O Professor Sandro se apresenta a partir de alguns dados atuais como a idade, seu estado civil, lembrando que sua esposa é professora de Educação Física, que lecionou na Escola Mesquita, local onde se conheceram. Faz questão - e manifesta com um significado especial - de se apresentar como pai: "nós temos um filho com 3 anos de idade que é uma figuraça, que é o Pietro". Professor Sandro também se define um cara que ... apesar de ter formação técnica [área das ciências exatas] (...) minhas característica são quase todas para a área de humanas.
Quando jovem, embora gostasse de animais, chegando a pensar em fazer Veterinária, "também ficava meio fascinado assim, com a coisa é... aparelho de televisão, aparelho de som, e ficava pensando como é que é essa coisa, como é que isso funciona". É desde aí que, de alguma forma, se gesta a escolha de fazer algo relacionado à eletrônica e ser engenheiro: "me veio a idéia de fazer Engenharia Eletrônica". Faz referência, assim como os Professores Ademar e José Flori, ao ensino por correspondência através de uma instituição muito conhecida e disseminada em décadas passadas: o Instituto Universal Brasileiro: "Ah eu via muito aqueles negócios que vinha muito em gibi do Instituto Universal Brasileiro".
Veio do interior, da cidade de São Jorge - RS para Porto Alegre no ano de 1987 realizar o vestibular. Estava em dúvida entre Veterinária e Engenharia Eletrônica. Prestou o vestibular na UFRGS, em Engenharia Elétrica, e na PUCRS, em Veterinária, reprovando no primeiro e aprovando no segundo. Decidiu não fazer o Curso de Veterinária em Uruguaiana, e permaneceu em Porto Alegre morando com sua irmã e trabalhando como Office Boy do Banco Bradesco. Um ano depois, tentou novamente o vestibular, Veterinária na UFRGS e Engenharia Elétrica na PUCRS, onde foi chamado neste último. Matriculou-se e iniciou o Curso de Engenharia Elétrica, desistindo da Veterinária e também dos vestibulares.
Foi durante o curso de Engenharia Elétrica, ainda enquanto estudante, que experimentou e vivenciou o lugar de ensinante. Ligados pelo desafio de aprender uma matéria e um conteúdo difícil, os colegas e alunos encontraram alternativas e estudaram junto. É desde esta experiência que Sandro passou a ajudar seus colegas que não entendiam ou aprendiam bem a matéria. Foram os grupos de estudo de preparação para prova, os momentos de aprendizagem coletiva, os horários alternativos, que se configuraram como espaços e tempos em que Sandro se percebeu e passa a ser percebido como alguém que explica melhor do que o professor. Sempre disponível e solidário lembra de uma manhã que ficou com colegas: "eu fiquei dando (...) uma aula assim, ah não! Isso é assim, isso é assim tal (...) é, é no quadro explicando para um tal, faz assim, eu explicava e eles ali, perguntava se entendia, não, entendi e tal. E aí de vez em quando saía uns comentários assim: Bah, mas tu explica melhor que o professor, né". Trata-se de um processo de identificação com a docência ainda na época de estudante de Engenharia.
Além disso, outras manifestações indicam este processo de identificação do ser professor a partir de provocações como: de vez em quando perguntavam: "Tu nunca pensou em ser professor, em dar aula?". As manifestações dos seus colegas o constituia como alguém que explicava melhor do que o professor: "foram vários que disseram isso, (...) ah então realmente, realmente devo ter isso, devo ter essa flexibilidade para explicar.... e eu comecei a pensar nisso" [ser professor]. Um pensar em ser professor que se gesta ainda enquanto aluno. Um gestar docente que é lembrado agora quando de um contato com um colega da época do curso que disse: "Quando a gente estudava tu já pensava em ser professor! E eu disse assim: É, é verdade, já pensava. (...) A época da PUC, eu já pensava em ser professor realmente, eu comecei, ai eu comecei a ir pensando nisso né, é eu acho que, e eu gostava, eu comecei a gostar disso...”
Começou a gostar, a ter satisfação em ensinar e em pensar em ser professor, "me dava um sentimento de prazer, assim ó muito gostoso. Ai comecei a pensar seriamente no assunto, em ser professor". Sim, ser professor era uma possibilidade, algo para se pensar seriamente. Mas era preciso, segundo Sandro, primeiro se formar, começar a trabalhar e, então, depois "quando tiver com uma boa experiência, ai vou, vou ser professor né".
Também é desde o lugar de estudante na relação com seus professores que Sandro evidencia modelos e referências do que é ser docente. Lembra de determinados professores que o marcaram, seja na sutileza de uma dica de estudo, seja na postura ou no método de trabalho que hoje, na posição de professor, se espelha: "cada vez que eu ia para uma aula... se a aula era boa, se eu gostava da forma como usava, eu olhava para o professor e dizia assim: 'É uma boa fórmula, um bom método'."
Era uma referência que afirmava ou mesmo negava um jeito de ser professor com o qual se identificava ou não. Um movimento de comparação e de analogias: "ah esse método não tá bom, não gosto disso, essa aqui também não, esse é bom, esse á razoável, esse é excelente". Alguns professores eram referências positivas, eram espelhos: "um modelo que devia ser seguido sem dúvida, olha na, assim na, se quisesse pegar aquilo lá, acrescentar coisas e melhorar ótimo, mas se já fizesse daquela forma já tava muito bom". "Me espelhei, quando vim a ser professor, me espelhei nisso". "Tinha essa questão da empatia com a professora, com o método dela, com a forma dela trabalhar"
Já alguns professores eram referências negativas: "quando for trabalhar como professor, não vou poder (...) não vou poder seguir isso aqui né, porque justamente eu que questiono tanto esse tipo de atitude não vou poder ter a mesma, então eu ia fazendo mais ou menos isso..."
Quando perguntado sobre a forma com que se deu o ingresso como professor, lembra de detalhes e saboreia no contar os momentos vividos no passado: "o ingresso na docência foi muito importante. (...) foi assim, eu tava no dia da minha formatura no dia 27 de julho [domingo], até ali eu tava praticamente empregado numa empresa que vendia equipamentos hospitalares e dava manutenção (...) já tinha passado por uma bateria de... seleção (...). O cara que tava se formando que trabalhava nessa empresa disse: 'Oh cancelaram as vagas'. (...) na segunda feira eu tava mandando currículo para tudo que era lugar (...) peguei o jornal de domingo na terça-feira de manhã, fui na PUC (...), fui lá na biblioteca, aí tava lendo o jornal, (...) pegando os classificados, eu achei nos classificados uma escola procurando um professor de eletrônica, adivinha quem era a escola? (...) Mesquita. E aí a entrevista era para ligar, para marcar para Quarta-feira a noite... isso era na terça, eu olhei aquilo ali: 'já pensei em ser professor!', mas espera aí um pouquinho, me formei domingo, aí fiquei assim: 'tá o que eu faço, que eu não faço, aí liguei para cá'.
Como não havia arrumado emprego até então, decidiu participar do processo de seleção de professor mais "por descargo de consciência". Colocou o currículo em baixo do braço e foi para a entrevista.
Participou do processo de seleção, da entrevista coletiva, respondeu às perguntas e foi embora com o sentimento de que não havia sido selecionado. Mas... "entrei no ônibus eu disse assim, ai me veio um pensamento na cabeça assim né: 'Tal, e se te chamarem (...) para dar aula?' Aí eu disse assim: 'se me chamarem para dar aula, o que que eu faço?'. (...) No dia seguinte eu fui almoçar com a minha irmã, ela disse assim: 'O que é essa tal de Escola Mesquita?'. Eu: 'O que?'. 'É um tal de Mesquita, Escola perece, um negócio assim'. Eu, eu disse: 'Ah eu fui fazer uma entrevista lá. Mas porque?'. 'Não, tu tem uma reunião hoje de tarde, tu tem que estar lá as vinte pras...' (...) não sei se era vinte pras seis. (...) e eu: 'Não pode ser, me chamaram!'. (...) então fui para casa, tomei um banho, peguei o T4, cheguei aqui tal, aí me chamou a guria do SOE. (...) vamos lá na sala dos professores, que eu vou te apresentar, entrei na sala assim: 'pessoal esse aqui é o professor Sandro, o novo professor de Análise de Circuitos' e eu olhei para ela: 'Tu tem certeza?'."
Manifesta que, apesar do espanto e da surpresa por ser o mais novo professor e a conseqüente sensação de insegurança, foi recebido pelos colegas professores de forma acolhedora. No mesmo dia foi apresentado para a turma como o novo professor que substituiria um professor afastado por questões de desentendimento com os alunos e recebeu a notícia que tinha onze dias para preparar as aulas e começar o trabalho na escola com a turma.
Foi para casa e iniciou a preparação de um desafio: o desafio da primeira aula. Um desafio que o fez pensar e refletir: "se eu entrar na sala e conseguir falar, tá ótimo". É o pavor da véspera de assumir os primeiros momentos da docência. É também a lembrança de um momento de nervosismo, de tensão, de medo: "ai entrei na sala de aula e fui dar aula né, e... mas (...) pra minha grata surpresa, eu comecei a falar, fiquei nervoso, a perna tremeu um pouco, mas daqui a pouco passou. Aí, era um conteúdo lá, comecei o conteúdo, pá, pá, conteúdo vai, vai, perguntava para um, para o outro e tal: 'Vocês tão me entendendo o que eu to falando?'. 'Não, tá, tá bom, pode ir tocando'. Aí fui, dei aula, aí no final da aula um aluno disse assim: 'Ah graças a Deus uma aula, que aula boa, eu tava esperando isso faz tempo!'".
É a lembrança de um tempo de passagem: do tremer da perna transfigurado no primeiro passo da afirmação da docência. Uma afirmação que pode ser expressa pela seguinte reflexão: "Logo no início da docência, numa determinada aula, contei uma piada e fiquei espantado com o que observei: uma parte da turma riu, uma parte não entendeu e outra parte ficou brava. Pensei: o que é isso? Que universo é esse onde estou? Naquele momento tive uma noção da heterogeneidade da sala de aula e das diferentes reações que podem surgir, das diferentes formas de pensar e aprender."
E conclui dizendo: "As diferentes situações que vivenciei em sala de aula me deram a oportunidade de melhorar como pessoa, como ser humano."