Uma outra leitura das Cartas e do jogo: os rituais do estar-junto

Carta - Ritos de Passagem
O Rito de Passagem revela mudança, transformação e recriação da vida da docência e dos tempos convivência no espaço da escola.

Carta - Fogueira do Conselho
A Fogueira do Conselho representa os tempos e espaços de decisão. Remete à importância dos rituais de decisão coletiva no que tange os caminhos, trilhas e passos do futuro e o quanto tais processos afetam a vida de cada um e de todos.

Carta - Roda da Cura
A Roda da Cura simboliza os novos ciclos e o movimento da vida. Compreende as ações e atitudes que promovem o contínuo girar da roda da vida na direção da valorização do caminho de cura. Compreende os momentos em que na convivência compartilhamos sabedorias e experiências de vida, como o são algumas situações de formação e troca de experiências no espaço escolar.

Carta - Espaço Sagrado

O Espaço Sagrado simboliza o respeito a si e aos outros. Revela as formas de se ver o mundo e as pessoas, as formas de se relacionar consigo e com os outros, bem como a capacidade de se conviver harmoniosamente consigo e com outras manifestações de vida. Simboliza a importância do ouvir e respeitar a palavra, as idéias, os tempos e o espaço sagrado do outro, ou seja, da compreensão do outro como legítimo outro na convivência.

As cartas e o jogo
Utilizo para uma outra leitura do jogo interativo e dos rituais do estar-junto na escola de educação profissional, mais quatro cartas e imagens de um baralho oriundas de um livro chamado: As cartas do caminho sagrado (SAMS, 2000). As quatro cartas aqui apresentadas são imagens ilustrativas que, assim como as cinco cartas apresentadas anteriormente, têm um sentido e uma função didática e não caracterizam um exercício de cartomancia e de decifração. Manifestam os contornos do ritual do estar-junto na escola.


A mesa circular da pesquisa se encontra repleta de Cartas e de histórias.
"As cartas do maço estão todas à mostra sobre a mesa. E a minha história, onde está? Não consigo distingui-la entre as outras, tão intrincado se tornou seu entrelaçamento simultâneo. De fato, a tarefa de decifrar as histórias uma por uma fez-me negligenciar até aqui a peculiaridade mais saliente de nosso modo de narrar, ou seja, que cada relato corre ao encontro de outro relato (...) tendo-se em conta que as mesmas cartas apresentando-se numa ordem diversa não raro mudam de significado, e a mesma carta de tarô serve ao mesmo tempo a narradores que partem dos quatro pontos cardeais" (CALVINO, 1991, p.63)

Assim é que cada um dos docentes-narradores entrelaça a intriga da sua vida. Assim é que, enquanto escuta-dor da docência, teço seus relatos, entrelaço as Cartas da vida da docência e da minha, inclusive.

"Sem dúvida a minha história também estaria contida naquele entrelaçar de cartas, passado presente futuro, mas não sei mais distingui-la das outras. A floresta, o castelo, [a escola], as cartas do tarô me conduziram a esta barreira: perder a minha história, confundi-la na poeira das outras, libertar-me dela. O que sobrou de mim foi apenas essa obstinação maníaca de completar, de encerrar, de dar vida aos relatos" (CALVINO, 1991, p.67)

Possibilitado pelo convívio no cotidiano da escola, o estar-junto, enquanto outra lógica, enquanto outra leitura possível das Cartas e do jogo (interativo) da vida e da docência, permite captar aquilo que se mostra para além da relação meramente profissional, os fatos e episódios que nos fazem sentir um grupo, um corpo e perceber sua lógica interna, que constitui e nos constitui; permite pensar nas outras histórias da docência, em todas as outras histórias, bem como nas outras éticas pedagógicas.

No percurso desta pesquisa, busquei captar as múltiplas emoções mobilizadas no estar-junto da docência, tendo como cenário a escola de educação profissional, na perspectiva de visualizar as éticas manifestas na convivência e no jogo interativo dos sujeitos que fazem o cotidiano da escola. Se, por um lado, foi possível captar dizeres e posturas que revelam dimensões éticas recheadas de compreensão, cooperação e partilha, por outro, pude visualizar manifestações de vingança, ciúme e prepotência junto aos diversos atores da escola. Essas manifestações são consideradas éticas, próprias de domínios afetivos que se sustentam e se constituem por estabelecer relações gregárias, que agrupam pessoas com um mesmo intuito, que vibram juntas, e que, para além de bem e de mal, estabelecem vínculos e alianças.

A instituição escola vive seus rituais permanentes. Captamos e damos evidência para alguns dos rituais significativos na vida da escola como: o início do ano letivo, o início do turno de aula, a troca de períodos, as reuniões docentes e discentes, a entrega de boletins, o cartão ponto, o contra-cheque, a torta do aniversariante, a entrega dos cadernos de chamadas, os conselhos de classe, avaliação, o ingresso na docência, o assumir-se e afirmar-se professor, etc.. Estes são apenas alguns exemplos dos rituais de todos os dias, aos quais estamos submetidos e envolvidos na escola. Assim, alguns episódios e solenidades no espaço da escola "constituem-se símbolos e também revelam a dimensão sagrada que o magistério ocupa" (FERREIRA, 2002, p.106).
Se, por um lado, visualizamos e nos envolvemos nos múltiplos rituais da escola, por outro, percebemos que a escola só se sustenta e se recria a partir dos tempos e espaços ritualizados. O ritual escolar é incorporado pelas pessoas que fazem e vivem a escola. No entanto, o próprio ritual se recria e, assim, em algumas circunstâncias promove o estar-junto, em outras, despotencializa e desmobiliza.

Na escola, e a partir da manutenção do Diário Reflexões, alguns episódios cotidianos tem destacado minha atenção, enquanto manifestação daquilo que estamos chamando de outra lógica do estar junto. Vejamos alguns dos rituais captados no estar-junto da escola de educação profissional.