O ingresso na docência é contado como um acidente, um acaso, uma eventualidade, sorte. O Professor Ronaldo, na época funcionário de uma empresa, relata em detalhes as lembranças das situações e oportunidades formadas que o fizeram ingressar como docente:
“(...) e aí o Ricardo Costi: [professor da Escola Mesquita e colega de empresa] (...) não quer ir lá dar aula? Aí eu fiquei meio assim, até porque eu não tinha o curso superior e tudo mais (...) Vai lá fazer a entrevista!. Tá, tudo bem, como eu tava procurando mesmo, vim aqui para fazer a entrevista e foi uma eventualidade, uma sorte, a situação se formou, eu acabei entrando, e tô aí até hoje. Então, como eu disse né, tive muita sorte que jogaram para um lado e para o outro, mas teve também a competência, a capacidade e a afinidade pra usar, para aproveitar essas oportunidades” (Ronaldo, 34, Prof. de Informática, Relato de Vida, linhas 378-388)
Foi uma eventualidade, uma sorte, a situação se formou, eu acabei entrando, e tô aí até hoje. Um acidente de percurso, e rindo diz:
“Outro acidente! Bom, o meu ingresso... eu tive vários acidentes destes de percurso” (Ronaldo, 34, Prof. de Informática, Relato de Vida, linhas 270-271)
e reforça tal idéia de acidente na sua vida profissional quando fala da empresa em que trabalha:
“(...) comecei a trabalhar na Digicon, que é a empresa que eu trabalho hoje, por acidente, também, claro né!” (Ronaldo, 34, Prof. de Informática, Relato de Vida, linhas 289-290)
Já para o Professor Ricardo Costi, o ingresso se dá por convite da instituição de ensino, tendo assim que decidir e escolher: "dar aula ou não dar aula?".
“Na verdade eu fui convidado. Não saí atrás dela assim: ah, nasci professor! Eu nunca pensei em ser professor! Daí foi feito um convite, daí eu fiquei pensando: bom, tempo eu tenho, os horários mais ou menos encaixam; dar aula, não dar aula? Ah, vou dar aula, por que que eu não vou dar aula? Parece interessante né. Aí eu, tá vou dar aula. Já tinha recebido o convite da escola, do Mesquita. Aí comecei a dar aula, gostei.” (Ricardo, 32, Prof. de Eletrônica, Relato de Vida 130-134)
A docência não foi uma opção como diz: "Não saí atrás dela assim", nem mesmo havia pensado alguma vez em ser professor. Mas a vida é isso, apronta suas surpresas e nos prende (ata seus laços) em lugares que nem mesmo imaginamos. E, como se não bastasse, a necessidade de escolha e a resposta difícil à surpresa do destino: "dar aula, não dar aula? Ah, vou dar aula, por que que eu não vou dar aula?", a possibilidade interessante de lecionar se transfigura em prazer, em sabor, em gosto: "Aí comecei a dar aula, gostei".
Já ouviu aquela história que um recorte de jornal muda a vida de alguém? Pois é, aconteceu com o professor Sandro: "achei nos classificados uma escola procurando um professor de eletrônica (...) eu olhei aquilo ali: já pensei em ser professor!". Então, o que fazer? Ficar com o recorte na mão ou ligar para a Escola e participar do processo de seleção?
“O ingresso na docência foi muito importante (...) Esse ingresso foi assim, eu tava no dia da minha formatura no dia 27 de julho, até ali eu tava praticamente empregado numa empresa que vendia equipamentos hospitalares e dava manutenção (...) já tinha passado por uma bateria de seleção, (...) eu tava praticamente empregado no dia da minha formatura. O cara que tava se formando que trabalhava nessa empresa disse: Oh cancelaram as vagas.(...) na segunda-feira eu tava mandando currículo para tudo que era lugar, (...) peguei o jornal de domingo na terça feira de manhã, fui na PUC (...) fui lá na biblioteca, aí tava lendo o jornal, (...) pegando os classificados, eu achei nos classificados uma escola procurando um professor de eletrônica, adivinha quem era a escola? Mesquita. E aí a entrevista era para ligar, para marcar para quarta-feira a noite... isso era na terça, eu olhei aquilo ali: já pensei em ser professor!, mas espera aí um pouquinho, me formei domingo, aí fiquei assim: tá o que eu faço, que eu não faço, aí liguei para cá” (Sandro, 35, Prof. de Eletrônica, Relato de Vida, linhas 612-666).
“Tá, mas ai o que que eu faço, vou ou não vou, ainda tava lá com o recorte (...) tá, eu vou por descargo de consciência eu vou, não arrumei nada até agora mesmo, eu vou por descargo de consciência, e eu quero ser professor né, mas não agora, daqui 5, 10 anos. Ta daí botei o currículo em baixo do braço” (Sandro, 35, Prof. de Eletrônica, Relato de Vida, linhas 675-680)
Bom, a primeira decisão diante das circunstâncias do destino estava tomada: participar da entrevista e do processo de seleção para, quem sabe, ser professor. Mas, espera aí, e se por ventura das circunstâncias... "ai me veio um pensamento na cabeça assim né: 'Tal se te chamarem para dar aula, aí eu disse assim: "se me chamarem para dar aula, o que que eu faço?'".
“(...) entrei no ônibus eu disse assim, ai me veio um pensamento na cabeça assim né: Tal se te chamarem para dar aula, aí eu disse assim: se me chamarem para dar aula, o que que eu faço? (...) No dia seguinte eu fui almoçar com a minha irmã, ela disse assim: O que é essa tal de Escola Mesquita?". Eu: "O que?". "É um tal de Mesquita, Escola parece, um negócio assim. Eu, eu disse: Ah eu fui fazer uma entrevista lá. Mas porque?. Não, tu tem uma reunião hoje de tarde, tu tem que estar lá as vinte pras... (...) não sei se era vinte pras seis. (...) e eu: Não pode ser, me chamaram!. (...) então fui para casa, tomei um banho, peguei o T4, cheguei aqui tal, aí me chamou a guria do SOE, (...) Vem cá eu gostaria de conversar um pouquinho contigo tal, ai chegou começou a fazer perguntas assim, ela era psicóloga se eu não me engano né. Ah, me fala sobre isso, me fala sobre a tua vida, me fala sobre teu estado, ai fui colocando e tal, tá agora vamos lá na sala dos professores, que eu vou te apresentar, entrei na sala assim, pessoal esse aqui é o professor Sandro, o novo professor de Análise de Circuitos. E eu olhei para ela: Tu tem certeza?” (Sandro, 35, Prof. de Eletrônica, Relato de Vida, linhas 725-750).
A vida nos surpreende, causa, espanto. Nem mesmo o professor acredita: "Não pode ser, me chamaram!". Pois bem, ele foi chamado (ou foi um chamado?). A surpresa é tanta que, quando apresentado aos colegas na sala dos professores como novo integrante da equipe docente, até ele mesmo duvida.
Já para o professor Sidney, a dupla formação, de engenheiro e pedagógica, lhe permite escolher um dos dois caminhos, ou até ambos os caminhos, já que, para ele, um pode potencializar o trabalho do outro. Mesmo optando pelo magistério, assume uma postura de estabelecer outros vínculos no âmbito da produção e da indústria, porque não dá pra ensinar desenho, não dá pra ensinar tecnologia se a gente tá fora dessa tecnologia.
“(...) eu tenho dois caminhos, ou sigo por aqui, ou sigo por aqui. Se eu seguir por aqui eu vou ter que largar esse. Não exatamente abandonar, porque depois que eu fiquei só no magistério eu comecei a me dar conta de uma coisa, que o ensino público, (...) por algum motivo, era muito lento, era devagar, (...) eu notei assim que eu precisava manter vínculos....tanto que eu voltei, trabalhei na produção de máquinas, no SENAI. Mas com a vantagem de não precisar ficar ali me submetendo a lógica da produção, à lógica do patrão.(...) porque não dá pra ensinar desenho, não dá pra ensinar tecnologia se a gente tá fora dessa tecnologia” (Sidney, 60, Coordenador Técnico, Relato de Vida, linhas 276-289)
Dar aulas, ser professor. Um desejo, uma vontade, um pensamento que acompanhava alguns dos entrevistados, antes mesmo de se afirmar professor. Já pensei em ser professor! (Sandro, 35, Prof. de Eletrônica)
“(...) porque uma coisa assim que eu sempre tive em mente era um dia dar aula! Eu tinha uma vontade de dar aula sabe.” (José Flori, 51, Prof. Desenho Técnico e CAD, Relato de Vida, linhas 537-543)
Algo que poderia ser interessante. Dar aulas, ser professor, “parece interessante né” (Ricardo, 32, Prof. de Eletrônica).