Um convite: "quer lecionar?". Uma surpresa. E uma reflexão: "Eu pô, dá aula? porque não né?". Um convite e uma proposta surpreendente que provoca dúvidas, mas que, se ainda não havia dado aulas na vida, acha uma boa idéia. E outra surpresa, descobre depois que "dar aulas" podia ser algo remunerado. Veja o relato do Professor Ricardo:
“(...) eu fui convidado para dar aula. Eu pô, dá aula? Eu nunca dei aula na vida...eu acho uma idéia boa. Depois eu vi que era remunerado, que não sei o que... primeiro eu tive a idéia de dar aula assim... não, porque não né? Daí depois descobri que era remunerado” (Ricardo, 32, Prof. de Eletrônica, Relato de Vida, linhas 40-43)
Eu, dar aulas? Tá brincando! Fiquei doente. A lembrança do ingresso na docência pelo Professor Ademar foi uma das marcas significativas da sua trajetória: “ficou marcado na minha vida: Ó, tu vai ser professor!!!”. Recém formado como técnico, a poucos dias como funcionário do SENAI e, na sua visão, realizando uma tarefa específica de organizar uma oficina - e nada mais -, surpreendentemente percebe que é ele próprio que vai dar aulas naquela oficina, que é ele o professor.
“Mas o que que vão fazer com isso aqui? [referindo-se ao material elétrico que estavam organizando na oficina], perguntei para o cara. Aqui? Aqui é que tu vai dar aula pros alunos, sobre eletricidade, sobre motores... . Eu olhei e disse pro cara: Tu tá brincando né? (risos) Esse cara tá doente né?! Eu, dá aula?. Mas é claro!. Nós não ia montar a oficina aqui?. Sim, mas é aqui que tu vai trabalhar. Aqui que tu vai dar aula (risos). Ah, cara! Eu fui embora, fiquei doente e não voltei mais pra trabalhar. Fiquei doente.” (Ademar, 50, Prof. de Automação Industrial, Relato de Vida, linhas 78-83)
“Eu fiquei apavorado porque eu pensei assim: como é que eu vou dar aula de instalação elétrica se eu nunca fiz instalação elétrica?” (Ademar, 50, Prof. de Automação Industrial, Relato de Vida, linhas 102-103)
Os caras tão ficando malucos, eu vou dá aula? Eu fui embora, fiquei doente e não voltei mais pra trabalhar. Surpresa, espanto e choque, o pavor foi tão grande que a doença tomou conta do corpo, ficou doente com a possibilidade de ser professor e ter que dar aulas de algo que não sabia nada nem pra mim, né.
“Os caras tão ficando malucos, eu vou dá aula? De que jeito? Eu sai da escola, não sabia nada nem pra mim né... (risos) Aí, eu, esses caras tão ficando loucos... aí sexta-feira não fui trabalhar, tava de cama, sábado apareceu o diretor lá, sábado de manhã... preocupado. Aí meu, que que aconteceu, pensei que tu tinha se acidentado, te perdido... . Daí eu disse: olha, os caras me disseram que eu tenho que dar aula, eu nem sei dar aula, como é que eu vou dar aula? (risos). Não meu filho, não é assim. Aí me convenceu. Não é assim meu filho, não é assim, tu vai ter aí três mês, pra te preparar, eu vou te dar todas as dicas como é que tem que fazer e tal, aí tu vai aprendendo, não te preocupa, tu vai aprendendo, não te preocupa, tu tá agora no inicio não... Isso não é pra já, isso vai levar bastante tempo, tu vai ter bastante tempo pra te preparar tal. Só lá em abril, maio vai começar tuas aulas”. (Ademar, 50, Prof. de Automação Industrial, Relato de Vida, linhas 85-96)
Eu vou te dar todas as dicas, tu vai aprendendo, não te preocupa, tranqüilizou o Diretor. Uma forma de amenizar, de tranqüilizar o pavor do guri de 19 anos que se defronta com o maior desafio de sua vida até então: ser professor. O apoio de alguém experiente, as palavras de tranqüilidade foram, assim, fundamentais no sentido de enfrentar tal desafio, fazer passar o pavor e experimentar a possibilidade de ser professor.
“Mas daí tudo bem, passou aquele pavor e tal, eu fui montando a oficina, organizando” (Ademar, 50, Prof. de Automação Industrial, Relato de Vida, linhas 113-114)