Quem é e o que diz o Professor Ademar Lino Kleinübing?

"Porque a gente... pra se lembrar das coisas né...
Agora, realmente tem muita vida né. Eu tenho muita...
muitos rolo nessa minha vida né"
(Ademar, 50, Prof. de Automação Industrial)

"Interessante aquilo que acontece na vida né?"
(Ademar, 50, Prof. de Automação Industrial)

Tem 50 anos, casado e dois filhos. É técnico em Eletrotécnica pela Escola Técnica Parobé e Eletrônica pela Escola Técnica Federal de Pelatas, com o Curso de Esquema II pelo CEFET/PR. Ingressou na docência em 1976 como instrutor do SENAI de Pelotas. Lecionou em diversas escolas e municípios pelo SENAI, onde permaneceu vinculado até o ano de 1999. Desde 1999 é professor de Eletricidade, Eletrônica e Projetos de Conclusão no Curso Técnico de Automação Industrial na Escola Mesquita. Além da docência atua como Técnico em Informática no Tribunal de Justiça do RS.

A entrevista com o Professor Ademar foi realizada no dia 25 de novembro de 2004, nas dependências da Escola Técnica Mesquita. Ademar é um técnico no qual a primeira profissão e trabalho esteve relacionada ao ensino e à docência, não por escolha ou opção, mas por circunstância. Envolveu-se e se dedicou à função do magistério e aprendeu a ser professor, permanecendo na docência até hoje, sem interrupção, trabalhando em várias escolas. Durante a maior parte dos anos, foi professor do SENAI, lugar onde se inaugura e ingressa na docência, e o lugar onde aprende os "macetes" de dar aulas. Hoje, além de atuar como técnico na área de informática, leciona - mesmo que com dedicação de tempo menor do que em tempos de outrora - no turno da noite, apenas na Escola Mesquita.

O relato do professor inicia com as lembranças do interior[1], da infância. Nascido em Alecrim - RS, fronteira com a Argentina, lá no "interiorzão, no meio do mato". De Alecrim, aos 6 anos, foi para Santo Cristo - RS, onde morou aproximadamente 10 anos. E, depois, veio para Porto Alegre: "Nunca tinha visto cidade grande".

A vinda para a capital foi uma aventura, uma epopéia: "eu vendi uma porca pra conseguir o dinheiro pra vim pra cá. Vendi uma porca e os leitões, juntei tudo, peguei minhas roupas, botei dentro da mala peguei o ônibus e vim". Com o objetivo de estudar, fez a 4a Série Industrial e o Curso Técnico de Eletrotécnica no Parobé. Deste período, lembra das dificuldades, das dores e sofrimentos: "Sofri muito. Sofri um monte mesmo. (...) eu falava tudo errado, eu falava caboclo, caminhava na rua olhando pras placa, olhando pro céu, ...olhando os edifício, então era uma gozação (...). Sempre a maioria vence né, e eu fui domesticado".

Trata-se de um recordar da passagem de um tempo que, embora dolorido, quando lembrado hoje, mostra a superação de si, das metas e sonhos de vida conquistados.

Com 20 anos de idade, e concluído o Curso Técnico no Parobé, foi procurar emprego. Deixou o currículo em várias empresas e participou de concursos. Até que "chegou um telegrama lá em casa pra eu comparecer no SENAI né. Aí eu fui lá". Era uma proposta e um convite para trabalhar no SENAI de Pelotas. Pegou o ônibus, foi para Pelotas, e se apresentou para o trabalho.
Iniciou seu novo trabalho, já como técnico formado, que consistia em organizar uma oficina mecânica. “Tem que montar essa oficina! (...) tem que montar umas máquinas tudo, tá, tá, tá". Até aí nada de novo, mas decide perguntar para um dos novos colegas de trabalho: "Mas o que que vão fazer com isso aqui?". E a resposta surpreendente não tarda: “Aqui? Aqui é que tu vai dar aula pros alunos, sobre eletricidade, sobre motores...”. E a reação de surpresa, contada em forma de diálogo, lembrando da conversa que teve com o colega:
"Eu olhei e disse pro cara:

-Tu tá brincando né? [risos]. Esse cara tá doente né?! Eu, dá aula?'
-'Mas é claro!' [responde o colega]
-'Nós não ia montar a oficina aqui?' [pergunta Ademar]
-'Sim, mas é que tu vai trabalhar. Aqui que tu vai dar aula'
[risos] 'Ah, cara! Eu fui embora, fiquei doente e não voltei mais pra trabalhar. Fiquei doente'."

Na seqüência do relato reitera o sentimento de surpresa e, rindo, diz: "Os caras tão ficando malucos, eu vou dá aula? De que jeito? Eu saí da escola, não sabia nada nem pra mim né...". No outro dia não foi trabalhar, tava de cama. Ficou doente com o fato de saber que teria de dar aula. Preocupado e apavorado, reflete: "eu nem sei dar aula, como é que eu vou dar aula? (...) Eu fiquei apavorado porque eu pensei assim: como é que eu vou dar aula de instalação elétrica se eu nunca fiz instalação elétrica?"

O desafio estava colocado. Se a primeira reação era de pavor, o tempo e o diálogo com o diretor da escola trouxe segurança e tranqüilidade, convencendo-o a enfrentar o desafio. Uma voz de experiência que o tranqüilizou: "tu vai ter aí três meses pra te preparar, eu vou te dar todas as dicas como é que tem que fazer e tal, aí tu vai aprendendo, não te preocupa".

E o primeiro dia de aula? Inesquecível! "Aí o primeiro dia de aula assim, nunca vou esquecer (...) a primeira aula né, foi traumática". Preocupado e muito nervoso, preparou em detalhes a matéria para o primeiro dia. Chegou na sala, começou a dar aula, mas muito preocupado com o relógio, o tempo: “S ó eram duas horas de aula e eram três horas e meu Deus, vai terminar a matéria, o que é que eu vou fazer? Eu ficava apavorado né, e controlando no relógio e controlando a minha matéria”.

Aos poucos, o nervosismo foi passando. Encontrou algumas estratégias e macetes, como a interação com os alunos. Sentiu que a conversa com a turma dava resultado "e eu fui perguntar pros guris alguma coisa pra aliviar um pouco, pra esquecer um pouco essa coisa do tempo e aí foi. Foi, foi, foi o 1º, o 2º aí eu fui pegando as manhas e tal."

Ganhando confiança e pegando as manhas. Foi aprendendo e enfrentando os desafios de ser professor. Aprendeu muitas coisas. Aprendeu a planejar bem as suas aulas e aplicá-las. Aprendeu que é importante saber o que ensinar. Aprendeu a preparar as atividades didáticas e "não inventar coisas no quadro". Aprendeu que de nada adianta enrolar os alunos pois "é a mesma coisa que cuspir pra cima, daqui a pouco o troço cai na tua cabeça [risos]. Volta, não adianta, porque tu dá uma enrolada no cara hoje, daqui a pouco o guri lê, se informa, aí sim a casa cai".

Aprendeu, participando de muitos seminários de como dar aula, de como dar uma boa aula, como é que se incentiva os alunos. Aprendeu que a interação com o aluno é chave do negócio, que o primeiro passo é conquistar o aluno, criar vínculos: "no primeiro dia eu falo sobre a minha vida, sobre a minha família, falo sobre....minhas dificuldades. Aí eles começam a sentir que o professor é um cara como eles também, e isso começa a aproximar. Não adianta chegar no primeiro dia despejar um monte de matéria"

Aprendeu a dar aulas na relação, conversando com os colegas de escola: "ele [se referindo ao coordenador] foi me mostrando, (...) ficou lá comigo o dia inteiro conversando". Aceitou sugestões sobre o andamento do seu trabalho como professor: "tu pega esse material, tem ali uma apostila. Aí tem como é que tu tem que dar as aulas”. Recebeu elogios sobre a dedicação e o empenho como professor aprendente: “Bah, mas isso é que é preparação de aula!”. E foi modelo para colegas professores em todo estado: "no 1o seminário que teve, levou minhas pastas, mostrou pro pessoal tudo. Tinha mais de 40 professores do estado lá".

Quando perguntado sobre o momento em que se tornou professor reflete: "Eu acho que [pausa prolongada]...o que ficou marcado na minha vida aquele dia que o cara disse 'Ó, tu vai ser professor!!!' ". Se esta foi uma marca significativa, outros momentos do relato também marcaram a trajetória em que o professor manifesta "Eu nunca vou esquecer". E não esquece de um dia em que foi apresentado como professor numa turma de um curso noturno. Lembra dos gestos e olhares de alguns alunos que, mais velhos que o próprio professor, não esconderam uma reação de desconfiança e incredulidade. Uma reação que levou o professor a pensar: "tá, tô ferrado [risos], como quem diz não vai dar certo isso aqui".

Mas que se afirma aos poucos, aula após aula. Ganhando confiança diz: "eu vou encarar os caras". Passaram-se os tempos, recebeu o retorno de alguns de seus alunos: "Olha, quero te dar os parabéns, tu te superou! Foi um cara assim que me...olha, quando eu olhei pra ti pensei: esse cara nunca vai me ensinar alguma coisa! E você foi um cara muito legal, sabe muito".

Mas como diz o próprio Ademar, nem tudo são flores na vida. Houve momentos em que repensou a docência, chegando a manifestar: "Daqui a pouco eu vou largar tudo e vou-me embora, isso aí não é pra um ser humano". Houve momentos em que o pavor das primeiras aulas foram quase imobilizadores. E houve momentos em que, junto aos próprios colegas professores, nos momentos de formação em serviço, Ademar deu sua aula e foi "um desastre total". Episódio que o deixou arrasado: "Pô, como é que tu dá aula lá desse jeito?". Episódio que colocou "em dúvida a minha integridade como professor".

Professor Ademar destaca também que, enquanto aluno, teve, de certa forma, uma vivência de professor. Em uma situação que seu professor, ao explicar um conteúdo e não conseguindo fazer seus alunos entenderem, Ademar pediu para explicar o mesmo conteúdo de uma forma diferente "pra ver se os caras entendem". Tendo permissão do seu professor, "eu fui lá na frente, expliquei. (...) Todo mundo entendeu porque era uma maneira bem simples é...uma maneira diferente". Uma vivência de professor que possibilitou aos colegas compreenderem o assunto e deixar o seu professor satisfeito.

Noutra situação semelhante, Ademar diz: "eu passei de aluno pra professor, e praticamente tomei o lugar do professor (risos)". Referindo-se a um professor que, embora tivesse um grande conhecimento, não tinha didática, ou seja, os alunos não entendiam o que o professor falava. A pressão foi grande, por parte dos alunos, solicitando que Ademar assumisse as aulas: "[os alunos] Foram lá e exigiram...eu dominei né, tomei conta né".

Para Ademar a docência, assim como a vida, é vista a partir de momentos de dor e prazer. Se, de um lado, na docência nem tudo são flores, de outro, proporciona prazer: "isso são ossos do ofício que eu digo, são coisas que...é...nem tudo são flores. Tudo é assim na vida. (...) são coisas da vida né." O ser e o estar docente proporciona prazer sim. O prazer de ser professor manifesto no relato: "O que realmente...me dá mais prazer... é tu sentir que o guri, o aluno, ele passa por ti: 'Eh professor Ademar, como é que tu tá?', de longe né". Pequenos gestos e palavras de reconhecimento que efetivamente dão recheio e prazer em ser professor. Ser professor é realização: "isso incentiva a cada vez mais ser prestativo com os alunos. Então eu...eu...me realizo fazendo isso né". E finaliza, refletindo sobre o que é ser professor: "eu acho que é uma luz, uma luz que bate no cara...acho também uma maneira de ser".

[1] É importante destacar que grande parte dos professores, a(u)tores deste estudo, especialmente os que têm mais tempo de docência, são oriundos do interior do estado em busca de um espaço no mundo do trabalho, na capital, em Porto Alegre. Destaca-se, também, a forma nostálgica da lembrança do interior, na vinda para a capital e das dificuldades que cada um passou na infância. Tal exemplo pode ser observado nos relatos do Prof. Ademar que veio de Alecrim - RS; Prof. Flori de Cachoeira do Sul - RS; Prof. Sidney de Passo Fundo - RS e Prof, Sandro de São Jorge - RS. Já os Professores Ricardo e Ronaldo, mais jovens, nasceram em centros urbanos maiores como Porto Alegre e Esteio.