"sempre me falaram isso, tu vai aprender quando tu tiver que ensinar" (Ricardo, 32, Prof. de Eletrônica)
"nunca pensei em desistir de ser professor" (Ricardo, 32, Prof. de Eletrônica)
Tem 32 anos e reside com sua noiva em Porto Alegre. Tem graduação e mestrado em Engenharia Elétrica pela PUCRS. Ingressou na docência no ano de 2000 no Curso Técnico em Informática na Escola Mesquita. Atualmente é professor de Microcontroladores e Projeto de Conclusão no Curso Técnico de Eletrônica da Escola Mesquita e professor do Curso de Engenharia na UCS (Caxias do Sul).
A entrevista com o Professor Ricardo foi realizada na manhã do dia 1º de dezembro de 2004, na sua residência. A entrevista, que havia sido marcada na semana anterior, foi confirmada na tarde do dia 30 de novembro. Marcada para às 9 horas, cheguei no horário agendado, fui recebido pelo professor e convidado a conhecer o apartamento novo, conquista recente. Mostrou-me os diferentes aposentos, a biblioteca, a sala, a sacada com churrasqueira, os móveis adquiridos e os ajustes e reformas pequenas que estão em andamento. Enquanto preparava um chimarrão para acompanhar nossa conversa, sentei à mesa próximo da sacada, um lugar muito aconchegante e propício para um bom diálogo. Liguei o gravador e recomeçamos a conversar, agora mais dirigida pelo roteiro da entrevista. Expus o tema da minha pesquisa e dirigi a primeira indagação, ou seja, que fosse abordada uma breve apresentação, articulada à idéia de ser professor.
As primeiras palavras de Ricardo remetem à família, à presença da docência na família: "Todos deram aula lá em casa, menos a irmã menor. A mais velha deu aula na UFRGS, meu pai deu aula na UCS, minha mãe foi...era bióloga e sempre deu aula, 2o grau, 1o grau e eu também to dando aula já há 4 anos. A docência já tá, todo mundo sempre acabou dando aula, de uma forma ou outra. Só falta a menor...digo tu tem que dar aula também!"
Nasceu em Porto Alegre, mas, desde os 2 anos de idade até o final do período escolar, morou em Caxias do Sul. Retornou a Porto Alegre com 18 anos para fazer vestibular. Iniciou o curso de Engenharia Elétrica na PUCRS e Educação Física na UFRGS, mas concluiu apenas o primeiro, depois de 8 anos de curso. Por opção, sempre trabalhou enquanto estudava. Quando se formou, trabalhava na área de informática de um Banco, e foi nesse período que foi convidado para dar aula. "Eu 'pô, dá aula? Eu nunca dei aula na vida...eu acho uma idéia boa'. Depois eu vi que era remunerado, que não sei o que... primeiro eu tive a idéia de dar aula assim... não, porque não né?"
E lembra da circunstância do seu ingresso na docência: "Na verdade eu fui convidado. Não saí atrás dela assim. Ah, nasci professor! Eu nunca pensei em ser professor. Daí foi feito um convite, daí eu fiquei pensando: bom, tempo eu tenho, os horários mais ou menos encaixam, dar aula, não dar aula. Ah, vou dar aula, por que que eu não vou dar aula? Parece interessante né. Aí eu, tá vou dar aula. Já tinha recebido o convite da escola, do Mesquita. Aí comecei a dar aula, gostei."
Paralelo a isso, decidiu sair do Banco onde trabalhava e, para além do magistério, iniciar na atividade de engenheiro. "Aí fui trabalhar como engenheiro. Bah, é outro mundo, são... é outro nível assim, outro departamento". Permaneceu mais 4 anos numa empresa de engenharia e saiu, pois além de lecionar na Escola Mesquita, foi "convidado pra dar aula na Universidade de Caxias, né, [e neste período] eu entrei no mestrado".
Do ponto de vista cronológico, Ricardo trabalhou no Banco Bradesco de 1997 a 2001. No ano de 2000 iniciou o mestrado e a atividade docente na Escola Mesquita. De 2000 até 2004 trabalhou como engenheiro na Empresa Digicon. Além disso, lecionou o primeiro semestre de 2003 na Escola Cristo Redentor - ULBRA. No segundo semestre de 2003, ingressou como professor na UCS. E reflete: "Aí nesse tempo eu tinha três empregos, que era o Mesquita, a Faculdade de Caxias e a Digicon. (...) Ah, sim, na verdade faz horas que eu tenho três empregos!"
No período do mestrado, lembra de uma disciplina que realizou, a de Metodologia do Ensino Superior, com a qual se identificou: "A disciplina adorei, vários livros assim da área, achei bem interessantes. Muitas coisas me identifiquei com os livros, muitas coisas não concordei. (...) A professora gostava muito da gente, porque realmente, a gente participava, falava, aconteceu isso comigo, aconteceu aquilo...foi a cadeira que eu mais gostei de fazer na faculdade...no mestrado".
Faz referência, também, aos seus professores. De um lado, aqueles com o qual se identificou e que se baseou para dar aula no curso técnico. De outro, os anti-modelos - que também não deixam de ser um modelo, mas não para ser copiado - como revela: "muitas coisas eu copio do Canalli[1], tipo, ele agradecia quando a gente ia tirar uma dúvida com ele: 'ô professor, eu que agradeço o senhor ter respondido'. 'Não, não, eu que te agradeço por ter vindo me procurar' (risos). E outros professores que tu nem podia chegar e perguntar, chamava de cachorro pra baixo, que esses eram os mais comuns né... então, me baseei nesses dois, os extremos. No melhor professor de Elétrica que era o Canalli, realmente é uma pessoa assim...de repente ele tá sem tempo, ele ia arranjar tempo pra fazer as coisas pra gente. E os outros né, (...) lembro de alguns professores. Mas esses aí eu pensei, nunca quero ser como eles, se eu for como eles eu saio da docência. E eu nunca vou ser, graças a Deus! Até pela minha...pelos meus poucos anos aí eu vejo que não sou igual a eles".
Sobre os primeiros momentos como professor, lembra dos detalhes, das situações, das apreensões, a preocupação com o que os alunos poderiam perguntar para o novo professor. "Eu fiquei meio apreensivo, pô, vou dar aula pra um monte de gente, (...) acho que uns 30 alunos. Eu fiquei com medo das perguntas que viessem me fazer. Pensei: será que eu sei tal coisa? (...) então, primeiras aulas eu tava com medo, preparei um mundaréu de aula que eu não dei."
E lembra com graça do primeiro dia como professor: "Legal, eu achei legal, muito legal dar aula (...). Primeiro dia de aula dei meu telefone celular, dei tudo pra eles assim...até hoje eu faço, primeiro dia de aula eu boto meu nome no quadro, boto telefone celular, pra alguns o telefone de casa às vezes, boto meu e-mail, boto... 'ó, qualquer coisa pode me ligar aí'. Até hoje tem aluno da minha primeira turma que me liga, (...) a gente escreve e-mail, isso eu faço até hoje."
E, para além das estratégias utilizadas para enfrentar as apreensões das primeiras aulas, destaca que começou a conversar, a interagir com os alunos, aí foi tranqüilo. Mas reconhece: "No início eu sempre fico um pouco nervoso. Bah, vai começar...", o que faz, de certa forma, mudar a percepção do tempo, "fiquei apreensivo assim...tava longe, o dia tava muito longe... quando eu vi o dia já tava ali".
Sobre a identidade profissional, que variava do ser engenheiro a ser professor, Ricardo diz: "eu sempre fiz uma mescla dos dois, ser professor e ser engenheiro. Nunca me intitulei muito...ah, sou isso. (...) Até misturei os dois assim, até pra conciliar né, muita coisa levo da profissão, muita coisa levo da docência."
O ser professor tem um significado de troca de conhecimentos, na dimensão de um ensinar que passa pela autonomia, do "ensinar a pesquisar, ensinar a caminhar e tentar fazer com que eles entendam". Revela que a relação de ensino-aprendizagem passa por uma boa relação, uma boa interação com os alunos. "Minha interação é boa porque, na verdade, eu sou amigo deles. Eu penso, paro, converso (...) é meu jeito de ser, minha personalidade é assim."
O espaço da escola também é o espaço de troca entre os professores, de aprendizado junto aos colegas de profissão: "Outra coisa assim muito boa, a gente aqui tem... nós somos em três professores, sem querer tivemos o mesmo orientador, e acho que todos os professores se dão bem! Que é a Rosane e o Ernani[2]. A gente foi aluno do Canalli e mesmo orientador...outra coisa, a gente se fala muito, ali na sala dos professores. Isso é uma coisa muito boa, porque às vezes a gente troca".
Já no que tange os problemas advindos da profissão professor, Ricardo destaca que o maior problema seu foi a falta de tempo para conciliar os empregos e a grande necessidade de tempo que ser professor demanda. "Querendo ou não, ser professor demanda um tempo fora de sala de aula (...). Então eu tinha uma falta de tempo, porque tinha 2, 3 empregos, junto com dar aula...falei bah, uma coisa eu vou desistir! Mas nunca pensei em desistir de ser professor."
Apesar de tudo, nunca pensou em desistir de ser professor. E é nestes momentos que Ricardo revela um gosto em ser professor, de se afirmar e permanecer na docência: "eu gostei de dar aula. Gostei de ser professor, gostei de dar aula, gostei de tá lá explicando o pouco que eu sei". Além disso, destaca o próprio aprendizado que teve com o fato de ser aquele que, em tese, ensina. "E eu sempre vou aprendendo...sempre me falaram isso, tu vai aprender quando tu tiver que ensinar. Aprendi de uma forma diferente, que até acho que é verdade mesmo".
E, quando perguntado o que a docência fez mudar na sua vida, reconhece que ser professor o possibilitou conhecer "muita gente diferente. Muitos problemas diferentes, realidades diferentes. Tem aluno que tem dinheiro, tem aluno que não tem dinheiro, tem aluno que tem problema pra falar, tem aluno que tem...sei lá...segregação, tem religião, e eu no meio, no meio de tudo assim (...) eu me sinto mais comunicativo".
Para Ricardo, dar aula e ser docente é entendido, não somente enquanto um aprendizado relacional, mas inclusive enquanto um aprendizado intergeracional, como mostra o relato: “Uma coisa que é legal é que não é só gurizada, tem mais velho do que eu. (...) tu tem que saber falar com todo mundo. Isso é uma coisa que mudou bastante”.
eles...acho que tenho competência, tenho problemas, algumas coisas não consigo resolver. O que me move é a certeza de que algumas coisas que eu esperava de mim eu consegui, coisas que as pessoas esperavam de mim também e construi minha história, minha trajetória."
[1] Vicente Canalli, professor do Curso de Engenharia da PUCRS e orientador de mestrado do Professor Ricardo.
[2] Professores colegas na Escola Mesquita.