Tem 34 anos e não tem filhos. Sua formação é de Técnico em Eletrônica e atualmente está cursando Informática na UNISINOS. Recém ingresso na docência, leciona desde 2003 na Escola Mesquita. É professor de Programação Visual e Projetos de Conclusão no Curso Técnico em Informática. Atua também como Projetista de Software na Empresa Digicon.
Realizada no início da noite do dia 03 de dezembro de 2004, o relato do Professor Ronaldo foi marcado por um tom de informalidade das palavras, pela reflexão das peripécias da vida, por muitas risadas e brincadeiras, próprio da personalidade do professor entrevistado. Quem tem e teve a possibilidade de conviver e escutar o Professor Ronaldo sabe que, para além do tom informal com que encara a vida, é um professor que, no âmbito da escola, é reconhecido pela disponibilidade e atenção ao aprendizado dos alunos, com uma competência técnica e profissional generosa e uma presença relacional sincera.
A entrevista foi realizada nas dependências da Escola Técnica Mesquita, mais precisamente no espaço da escolinha. Excetuando-se o relato do Professor José Flori - que foi realizado no seu escritório - e do Professor Ricardo - realizada em sua casa -, todos os demais foram realizados na escolinha, lugar especialmente escolhido por ser um local aberto, sem barulho, sem agito, sem possibilidades de interrupções, próximo de árvores e também por ser um ambiente escolar.
A partir do roteiro da entrevista, solicitei ao professor que, num primeiro momento, se apresentasse e falasse da sua trajetória pessoal, profissional, da sua formação, da sua experiência e de como a docência foi entrando na vida. A primeira reação e comentário sobre a solicitação inicial de falar de si, causou no professor um certo desassossego, um certo incômodo, pois manifestou que é nestas situações que "eu sempre me quebro na entrevista profissional" já que se diz muito ligado às ciências exatas, não gosto muito de humanas. Rindo diz: "não me dou bem com gente". Justifica tal posicionamento manifestando que é uma pessoa que sempre gostou de ler e estudar, voltando sua trajetória mais para este lado e, por isso, se aproximando das ciências exatas.
Para o Professor Ronaldo, as "coisas da vida", a escolha profissional, as empresas pelas quais passou e, inclusive, a docência aconteceram por acidente, por sorte: "muitas coisas acontecem e parecem por acaso, parecem que direcionam para certos caminhos assim que acabam se concretizando depois". Tal perspectiva dos caminhos, escolhas da vida estão presentes em todo o seu relato. Em seguida, relativizando e refletindo sobre os percursos da vida, diz: "tive muita sorte de ter as oportunidades acontecendo na hora certa, mas também eu fiz a escolha por elas, por eu me, por digamos assim, por proximidade, então não posso dar todo o crédito para a sorte... tem claro o interesse, a vontade de seguir".
Embora entendendo que tenha tido uma infância um pouco conturbada, devido à doença de um irmão, bem como das condições financeiras da família, entende que isso não o afetou, não trouxe problemas ou que bote alguma culpa nisso, já que atualmente reflete sobre tais circunstâncias de vida familiar de forma isenta, "isso assim é interessante, eu me vejo isento analisando este tipo de coisa". Destaca também o papel da sua família pois a considera unida, ou seja, "quando precisava a gente sempre agia em conjunto e ia num mesmo ritmo e conseguia resolver os problemas".
Já na adolescência, sem pensar muito na questão de escolha profissional, parte para um Curso Técnico na Escola Liberato de Novo Hamburgo, escola onde seu irmão já estudava. Via ali a possibilidade de freqüentar um curso em que aprendesse alguma coisa, "não era uma questão de aprender uma profissão, mas aprender alguma coisa nova". E rindo diz que embora tendo várias opções de curso, acaba se identificando e escolhendo Eletrônica, já que sempre teve facilidade nas ciências exatas, no cálculo e no raciocínio lógico. Manifesta que foi uma escolha acertada.
Na sua trajetória escolar diz não ser uma pessoa com muitos amigos, já que entendia que estava na escola para aprender e não para fazer amigos ou namorar. Com isso identificava-se mais com os professores do que com os colegas de curso. A escola foi um espaço de aprendizado técnico e a ponte, desde cedo, para o mercado de trabalho e a oportunidade de qualificação junto aos estágios do curso. No relato reflete sobre suas experiências e aprendizados no estágio em empresas da área da eletrônica, e lembra do posicionamento do pai com relação ao estudo e ao trabalho, que mesmo sem muitas condições financeiras manifestava a importância de estudar para depois ir trabalhar, ou seja, enquanto tu tá estudando tu não trabalha.
Na escola, sempre teve muita facilidade no aprendizado. Aprendia com rapidez, e antes dos seus colegas, a quem ajudava a fazer os trabalhos do curso: "eu era sempre a pessoa que fazia trabalhos nos grupos, levava os outros nas costas".
Na experiência de estagiário, teve, pela primeira vez, contato com um computador PC. Identificou-se e gostou tanto que decidiu mudar de área; "Ah vou largar isso aqui e vou para a Informática! (...) Pô, isso aqui é um negócio legal!". Com o desejo de mudar de área, foi trabalhar em uma empresa de manutenção de informática sendo que, "naquela época ninguém sabia nada de informática".
Aprendeu por conta própria, tornou-se um auto-didata na área, já que não existiam cursos, não tinha bibliografia, não existia muita gente qualificada, e "aí eu... quando eu acabava pegando um cliente, os caras perguntavam coisas e aí acabou me direcionando para a área de cursos". Auxiliava seus clientes, seus colegas de empresa e acabou se vinculando à área de cursos.
Depois disso, decidiu abrir uma empresa de informática com seu irmão e, de certa forma, o trabalho também se direcionou para a área de treinamento e cursos de qualificação profissional. Nessa dimensão da sala de aula e de cursos, pontua que seu irmão sempre teve uma facilidade muito maior para dar aula. No entanto, destaca que foi aí que começou a história da sua docência.
Lembrando como se deu o seu ingresso como professor da Escola Mesquita, diz rindo: "Outro acidente! Bom, o meu ingresso... eu tive vários acidentes destes de percurso". Assim como a docência, o ingresso na empresa na qual trabalha até hoje como Projetista de Software, a Digicon, também foi um acidente, "acabei sendo contratado por acidente e estou lá até hoje".
Manifesta que, em um determinado momento de sua carreira profissional e do ponto de vista salarial, precisava encontrar alguma coisa para melhorar seus rendimentos. Começou a procurar alternativas em que já tinha alguma experiência e que pudesse conciliar com o trabalho na indústria. A alternativa visualizada foi "dar aula a noite".
Na empresa onde trabalhava, conheceu o Professor Ricardo Costi[1], que lhe perguntou: "não quer ir lá dar aula?". Como Professor Ronaldo não tinha o Curso Superior, ficou em dúvida. Mas como estava a procura disso, veio até a Escola participar da entrevista de seleção de professores: "e foi uma eventualidade, uma sorte, a situação se formou, eu acabei entrando, e tô aí até hoje" (...) "tive muita sorte que jogaram para um lado e para o outro, mas teve também a competência, a capacidade e a afinidade pra usar, para aproveitar essas oportunidades".
Questionado sobre quais eram as suas referências para dar uma aula, responde que sempre procurou dar aulas mais práticas em que se baseava em seqüências que tinha aprendido por conta própria, como um auto-didata. Além disso, lembra das aulas que teve enquanto aluno de Curso Técnico e de Faculdade. Lembra do que, e como, aprendeu, como os professores ensinavam. Lembra inclusive que muitas vezes ia na aula para ver como o professor dava sua aula: "eu me baseava neste tipo de coisa, eu tinha a minha experiência de dar aula como instrutor em uma coisa mais prática e tinha o retorno de como é que os professores davam aula, pra tentar fazer um paralelo entre os dois e usar isso... Então, basicamente é isso eu me baseava nas experiências que eu tive. Dos meus professores, da minha experiência como auto-didata".
Quando perguntado se se considera um técnico ou um professor diz, sem hesitar, que nenhum dos dois, já que não se considera um professor, e completa: "eu não me considero um bom professor". Justifica sua afirmação dizendo que sempre se considera um profissional que pode crescer mais e ser cada vez melhor: "Por isso eu não me considero um professor, eu não me considero um engenheiro, um técnico".
Na seqüência da entrevista reflete sobre o fato de estar na docência como: tentando ser professor. “Eu sou professor de... ou instrutor... no início eu usava o termo instrutor, hoje eu uso professor porque é um curso técnico, então eu uso o termo professor... há, um professor de programação. Eu não uso... professor eu até uso o cargo para simplificar, porque... ‘Ah, eu dou aula! Quer dizer dar aula é um termo errado!’. Então é mais fácil usar o termo professor, eu não assumo um título!”.
Lembrando das experiências das primeiras vezes em sala de aula como professor, diz que "cada dia que eu entro na aula é uma experiência nova". Para o Professor Ronaldo, "todo dia é o primeiro dia", ou seja, cada experiência é uma nova situação, a cada dia pode acontecer alguma coisa nova em sala de aula. Portanto, "o frio na barriga sempre existiu... existiu e sempre existe".
Para o Professor Ronaldo o fato de ser professor mudou algumas coisas em sua vida. Do ponto de vista profissional, a docência o ajudou dentro da empresa, "contou muitos pontos dentro da empresa". Foi responsável pela organização do treinamento. Em certo aspecto, consegue "vender a idéia muito melhor hoje". Tem uma participação efetiva nas reuniões e no desenvolvimento de idéias na empresa. Do ponto de vista pessoal, fala da sua capacidade de ouvir mais o outro, de entender o que o outro está falando, mudando sua maneira de agir e suas atitudes no âmbito das relações, bem como da facilidade de verbalizar as coisas, de conversar, da fluência verbal. Perguntado se já havia pensado em desistir da docência, o Professor Ronaldo manifestou que, num determinado período, quando estava sobrecarregado e cansado, chegou a pensar em largar uma das atividades a que estava vinculado: "Eu tenho que largar alguma coisa que eu não vou conseguir manter neste ritmo por muito tempo. (...) me levou a pensar em desistir de algumas das coisas, que poderia ser em dar aula, ou do trabalho, ou de estudar".
Sobre o seu projeto de vida futuro e a relação com a docência, o Professor Ronaldo destaca que pretende concluir o curso superior para poder continuar a dar aulas. Pensa na possibilidade de fazer um Mestrado e lecionar numa faculdade. Mas, reflete, questionando: "se eu conseguir no ramo privado ter uma boa... um bom emprego, um salário, pra que eu vou dar aula?". Diz estar aguardando para ver o que vai acontecer: "então vamos deixar as coisas se decidirem, vamos ver o que acontece". Professor Ronaldo manifesta não gostar de fazer planejamento a longo prazo, já que "eu não sei o que vai acontecer amanhã (...) não sei te fazer uma previsão".
E revela: "Eu gosto de dar aula, mas as minhas necessidades são superiores ao meu gosto". E, rindo, diz: "de repente eu daqui a pouco eu até mudo de área de novo..."
[1] Professor do Curso Técnico em Eletrônica da Escola Técnica Mesquita e também um dos docentes participantes desta pesquisa.
Para concluir as margens e a bordas:
Nas histórias da docência e no estar-junto na escola de Educação Profissional, os fluxos de vida entrecruzam-se, embaralham-se os des(a)tinos, mesclam-se as escolhas e circunstâncias, fundem-se opções e contingências do ser, do estar e da (in)permanência na escola e na docência.